Entrevista | Em 2015 “o que era absolutamente fundamental era tirar a direita do poder e parar a austeridade”
Nesta entrevista com Ana Drago, passamos em análise a última década na política portuguesa
Introdução
Esta é a segunda de duas entrevistas que conduzimos com Ana Drago. Na primeira focámo-nos no livro recente da antiga deputada, “A Cidade Democrática”. Aqui, passamos pela última década da política. Do colapso do Syriza, às eleições que estão para vir em Lisboa, focando-nos naquilo que veio a ser chamado de gerigonça, tentamos tirar reflexões sobre o que se foi passando em Portugal e tentamos espreitar o futuro.
Nota: esta entrevista foi conduzida antes de o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda terem apresentado candidaturas à Câmara Municipal de Lisboa
O Anton Jäger e o Arthur Borriello em “The Populist Moment” falam de uma esquerda que se virou para o populismo, mas não num populismo que passou a ser de esquerda. Isto aplica-se ao caso português, quer nos partidos, quer nos movimentos sociais?
Eu tenho sempre uma grande dificuldade com a utilização do conceito de populismo, porque, na verdade, o populismo é aquilo que tu atiras ao adversário quando ele supostamente faz propostas claras, percetíveis e de rutura, seja ele de esquerda ou de direita. E creio que é o John Judis que faz aquela diferença [no livro The Populist Explosion: How the Great Recession Transformed American and European Politics] entre os populismos. O populismo diádico e o populismo triádico.
O de direita é triádico, ou seja, tem três segmentos. É quando as elites pegam nos que estão do meio para dizer que a culpa é dos de baixo. E há o diádico, que é o populismo de esquerda, que faz uma divisão entre as elites e o povo. Há sempre um conflito entre as elites e o povo.
Acho que esta diferença é significativa nas formas de populismo. Se tu quiseres entender assim, que têm existido na Europa nos últimos 20 anos, ou partidos ou movimentos a quem chamamos populistas. De alguma forma, por exemplo, o Podemos tinha um discurso absolutamente claro desse ponto de vista, chamava-lhe a casta. Ou seja, essa ideia de que as classes médias, as classes trabalhadoras, os povos, os imigrantes, se contrapunham à casta, que era dona, proprietária do país e que governava o país. Tens o populismo de direita nacionalista e xenófobo, que é o do Trump, das extremas direitas, que dizem às classes trabalhadoras e às classes médias que a culpa é dos mais pobres e dos imigrantes.
A noção de populismo tem sempre uma grande dificuldade. Agora, nós percebemos que no campo político da esquerda há um problema de construção de identidades politizadas, fortemente ancoradas no campo da esquerda. Mesmo com todas as tentativas de construir discursos ou formas de identificação mais claras e mais percetíveis, eu acho que essa dificuldade se mantém.
Principalmente para os nossos leitores que não têm memória política da altura, como é que foi assistir à ascensão e queda do Syriza na Grécia?
Trágico. Naquela sala onde eu trabalho todos os dias, eu tenho a bandeira grega à minha frente, que foi colada no verão de 2015, de quando foi o referendo e quando o Tsípras foi negociar [com as Instituições Europeias e FMI]. No quadro europeu, todos aqueles que tinham sido sujeitos a um processo de ajustamento viam na Grécia a possibilidade de romper no quadro europeu. Portanto, de introduzir uma rutura significativa na governação europeia.
Todos nós percebíamos os riscos que estavam em cima da mesa. Num primeiro momento, eu não fui particularmente crítica quando o Syriza acaba por colapsar nas negociações com o conjunto dos países europeus. A possibilidade que era colocada em cima da mesa, do ministro das Finanças alemão, era mesmo a Grécia sair do euro. Na verdade, nós não fazíamos a mínima ideia do que isso ia significar. Percebo perfeitamente que estas situações são situações muitíssimo difíceis.
O problema seguinte foi a perceção que o Syriza, que se tinha constituído durante a austeridade grega como uma espécie de baluarte de defesa e de segurança de um conjunto de pessoas que estavam a viver uma catástrofe, semelhante a uma catástrofe ou a uma guerra, se mostrou disponível para aplicar um conjunto de nova ronda de políticas de austeridade. Isso partiu qualquer esperança que se pudesse ter, de que este campo político à esquerda, que se tinha afastado dos ex-partidos sociais-democratas, conseguia, num momento de enorme aperto, manter o sangue frio: fazer uma governação ao contrário, ou simplesmente sair e manter uma lógica de oposição. Quer dizer, o Syriza dispor-se a aplicar ele próprio políticas de austeridade e matou qualquer esperança. Foi, de facto, um processo trágico.
Durante a ascensão do Syriza nós tivemos o colapso do PASOK do centro-esquerda. O PS em Portugal nunca teve uma disputa forte pelo domínio do campo da não direita, como aconteceu em Espanha, num período de disputa significativa entre o PSOE e o Podemos. E tivemos neste período, por exemplo, a investigação e detenção do José Sócrates, que tinha sido o último primeiro-ministro do PS. O que é que podemos atribuir a esta particularidade portuguesa?
Eu acho que, primeiro, o Partido Socialista não geriu, como aconteceu com o PASOK, o período de austeridade. Quer dizer, os PECs [Pactos de Estabilidade e Crescimento], apesar de tudo, não são comparáveis à austeridade na Grécia. Depois, não sei se o sistema partidário foi, durante mais tempo, resiliente a ventos de mudança. Porque mesmo o Partido Socialista francês ficou muitíssimo castigado por o momento em que o François Hollande diz que no quadro europeu é preciso fazer alterações no modelo de governação e nas orientações políticas, de modo a assegurar o futuro do modelo social europeu e depois volta para casa com uma mão cheia de nada. De facto, isso significou a erosão do Partido Socialista francês.
Nós não tínhamos em Portugal, temos hoje, mas não na altura, o empolamento das forças de extrema-direita em torno dos processos de migração. A migração em Portugal não era um problema social, de diferença cultural, de conflito cultural, sentido nas ruas, embora tivéssemos tido processos de migração, as pessoas não sentiam isso. O Partido Socialista, apesar de tudo, quando o PSD e o CDS assumem a Troika, fica mais ou menos protegido. Depois há ali um momento em que António Costa reinventa a identidade do PS em relação à política de austeridade. Eu acho que o Partido Socialista consegue capitalizar isso. Como se costuma dizer, é aquela coisa do Tolstoi. As esquerdas felizes são todas iguais, as esquerdas infelizes são infelizes à sua maneira.
Havia nos partidos à esquerda, que fizeram acordos com o PS, quem se opusesse a fazer parte do que foi chamado de Geringonça. Previam que tal implicaria uma dança com o PS, da qual este sairia sempre vencedor. Face aos acontecimentos que seguiram, especialmente em 2022 com a queda do segundo governo Costa, como é que podemos encarar este ponto de vista?
Eu acho que é difícil juntar tudo. Eu acho que em 2015, obviamente fruto daquilo que foi a composição da Assembleia de República, era impossível os partidos de esquerda não estarem disponíveis para a constituição da Geringonça.
Eu acho que era até impossível antes de haver eleições. Na altura em que eu era deputada do Bloco de Esquerda, em 2012-2013, o impacto da crise na vida das pessoas era brutal. As pessoas vinham muito ter comigo, contando aquilo que lhes tinha acontecido. Tinham entregue a casa ao banco, que o filho tinha perdido o emprego e que, mesmo assim, ainda tinham uma dívida que ficavam a pagar e precisavam de manter a casa. Tinham corte nas pensões, tinham corte nos ordenados. O filho tinha emigrado, não sabia quando é que voltava. Havia a perceção de que o país estava a secar. A leitura que eu fiz, e foi uma das razões pelas quais eu saí do Bloco [de Esquerda], é que era impossível os partidos de esquerda, o PCP e o Bloco, dizerem “Se votarem nós, nós diremos isso na Assembleia de República. Hoje temos oito deputados, se mais pessoas votarem temos 15. Temos mais tempo para falar, apresentamos mais propostas”, mas, na verdade, isso não defende a vida das pessoas. O que era absolutamente fundamental era tirar a direita do poder e parar a austeridade. Era isso que o campo político de todas as esquerdas percebia.
E eu saí do Bloco na altura, creio que o Bloco ainda não estava disponível para essa conversa. Mas eu acho que o PCP o percebeu, o Bloco também o percebeu e disse-o durante a campanha eleitoral. Mesmo António Costa percebeu que se não estivesse disponível para o fazer, era o fim do Partido Socialista, era o risco da “Pasoquização” do PS. Ou seja, se os partidos de esquerda não se atravessassem pela vida das pessoas, independentemente das suas diferenças, que eram significativas, arriscavam de facto a vida. Num primeiro momento, a leitura que vem dessa constituição do PS é de facto reverter os impactos da austeridade da Troika e lançar algumas linhas de políticas futuras.
Na altura o Partido Socialista dizia, António Costa dizia, “se pensarmos como a direita, acabamos a governar como a direita”. Fez um conjunto de viagens à Grécia e a tentativa de articular no quadro europeu um eixo de confronto com os poderes da Alemanha, os poderes austeritários. Depois o tempo passou, e o Partido Socialista regressou à identidade política que tem desde os anos 90. Há uma geração de dirigentes do Partido Socialista que chegou à conclusão, pela sua experiência política, durante a transição democrática e depois com o que aconteceu nos anos 80 e 90, de que a esquerda tem que abandonar algumas das suas batalhas e agendas, no sentido de provisão pública, defesa dos direitos dos trabalhadores, planeamento da economia, que as coisas mudaram e que o mundo agora é assim.
Eu acho que essa geração, da qual António Costa faz parte, voltou a emergir. António Costa foi-se rodeando ou de pessoas que pensavam isso, ou de um conjunto de gerações mais jovens que o seguiam como se ele fosse a estrela do universo do Partido Socialista. Do conjunto de possíveis sucessores que ele apontou, talvez a exceção seja o Pedro Nuno Santos. Ele fala, e começou já a falar enquanto ainda não era ministro, sobre a possibilidade de reinventar uma social-democracia que regressa aos problemas da redistribuição do rendimento, que combate a precariedade dos jovens, e que institua o Estado como potência democrática da organização da sociedade.
No ano de 2016, a Geringonça mostra alguns resultados e vitórias políticas bastante importantes e estruturais. Os Contratos de Associação do ensino são uma delas. Apesar de hoje esquecidas, em 2017, depois destas vitórias, a direita sai derrotada das autárquicas, uma derrota histórica. Mas este ciclo acabou por não durar. É justo falar que houve uma perda de um ímpeto reformista quando a situação internacional foi melhorando?
Eu acho que houve uma total ausência participatória de um ímpeto reformista. Ou seja, eu creio que António Costa entendeu, e há aqui um elemento que eu acho que é importante, que é a constituição de um ambiente mediático na maior parte das democracias europeias, que tem um enviesamento a favor do discurso liberal e que é particularmente crítica de todas as medidas políticas que confrontem esse pensamento.
Grande parte, creio que, dos comentadores e dos jornalistas diz “o mundo é assim, os mercados funcionam, é necessário dar-lhes liberdade e é assim que se cresce”, e não questiona este tipo de pensamento. Eu acho que, perante esse ambiente mediático que não era favorável ao Partido Socialista, António Costa entendeu que a sobrevivência do seu governo era não fazer ondas.
Não fazer ondas significa não avançar com qualquer lógica reformista que confronte poderes instalados, ou lógicas de funcionamento mais ou menos instaladas. E acho que foi isso que ele fez. Abandonar completamente a ideia de que mesmo no campo dos serviços públicos era necessário algum tipo de reforma, que requalificasse, relançasse e modernizasse a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde. Foi gerir a situação para tentar que essa gestão levantasse o mínimo de resistência possível.
É sempre difícil reescrever o passado mas há uma coisa que podemos ter apontado e ser diferente ser feita diferente pelos partidos à esquerda na geringonça para prevenir este desfecho?
Para dizer a verdade, não sei. Nós que não estivemos dentro das salas das reuniões, temos a perceção de que houve em determinados momentos alguma dificuldade de relação. Creio mesmo que houve alguns sinais, por exemplo, da parte do Bloco de Esquerda de fazer, se calhar, uma gestão demasiado centrada sobre a sua capacidade de capitalizar algumas das vitórias, de não ter uma espécie de maior lealdade em relação a algumas conversas que estavam a ser tidas no abrigo da Geringonça. Eu creio que isso dificultou relações. Mesmo assim, o PCP foi muito menos vocal nos espaços de disputa dentro da Geringonça e não foi particularmente beneficiado nos ganhos que teve.
Poderia ter sido seguido um caminho diferente? Terem conseguido mais coisas ou terem conseguido capitalizar algumas coisas que foram os partidos à esquerda que conseguiram ganhar no quadro das negociações? É sempre muito difícil. Não o deviam ter feito? Não, eles tinham que fazer a Geringonça.
E, tudo somado, qual é o balanço curto possível que podemos fazer dos anos de geringonça?
Na verdade também tem muito a ver com a identidade do PS. Apesar de tudo, o PS é o construtor das políticas que implementou, com todas as suas fragilidades. Do Estado de Previdência português. Foi o que o PS, mais ou menos, o que foi fazendo. No quadro da austeridade e no discurso do Passo Coelho, a ideia de que a democracia portuguesa é, ou deve ser, um ciclo virtuoso entre igualdade e liberdade. Ou seja, que os patamares de igualdade são aquilo que permitem o exercício da liberdade dos cidadãos. A pobreza é uma prisão, é uma limitação da liberdade.
Essa ideia é parte constituinte da Constituição da democracia portuguesa. Eu acho que o governo da Troika destruía essa ideia das políticas de igualdade e do Estado de Providência. E, portanto, passava a ser um Estado caritativo, quando muito. Eu acho que a geringonça recuperou a dignidade e o impulso desse Estado que assegura bem-estar, porque essa é uma condição da liberdade dos cidadãos.
Eu acho que se ganhou isso. Ganhou o parar a desestruturação total dos pilares dos serviços públicos. Mas, obviamente, que se ficou aquém. Quer dessa qualificação dos serviços públicos, quer de tudo o resto o que faltava fazer. Em particular nas relações de trabalho e em particular no modelo de crescimento da economia portuguesa, que hoje continuamos a discutir. A precarização das novas gerações e este modelo, de facto, do imobiliário e do turismo e o que aquilo significa para o futuro do país. E isso ficou completamente por fazer.
Enquanto concordaram na geringonça, o Bloco e o PCP estão claramente a posicionar-se de forma diferente em relação ao Partido Socialista. Lisboa é um bom exemplo disso. O PCP está claramente a distanciar-se do PS, a anunciar já um candidato. Enquanto o Bloco de Esquerda aparece mais aberto a coligações pré-eleitorais, até pelas declarações de Francisco Louçã. Podemos falar da divergência permanente dos dois partidos face ao PS ou mais uma questão tática, circunstancial? Até porque, por exemplo, no passado, no Orçamento de Estado de 2021 foi o Bloco de Esquerda que ficou contra, e o PCP a favor. Consideras que isto é uma mudança estrutural dos dois partidos face à forma como olham para o PS? Ou que tem sido um bocado uma dança de cadeiras, em que vão variando quem faz de polícia bom e de polícia mau?
Primeiro, o PCP e o Bloco obviamente têm entre eles alguma competição e picardia. Isso é bastante claro, apesar de partilharem, eu diria, 90% das propostas políticas mais imediatas. Mesmo que não partilhem a visão do mundo, partilham essas propostas. O que eu acho é que o PCP tem um enorme receio de não conseguir manter uma presença partidária de número de eleitos e número de votos que lhe permitam, um espaço de crescimento no futuro e de recuperação. E faz uma escolha estratégica de tentar ir sozinho para poder ter a sua voz, a sua marca, no debate político de Lisboa.
Mesmo assim, a seu favor tem alguns argumentos. Nós tivemos uma governação socialista em Lisboa que fez muito pelo espaço público. Fez uma enorme requalificação do espaço público, com o dinheiro, que vinha do IMT, da venda de casas a preços absurdamente inacreditáveis. O Partido Socialista, na verdade, abdicou de uma política de habitação em Lisboa e isso tem custos imensos na cidade.
Essa crítica do PCP, de que não é possível voltar a um modelo de governação costista e medinista para Lisboa, parece-me absolutamente acertada. Agora, tem que haver aqui um tempo e um espaço em que o Partido Socialista possa rever quais são as consequências da sua governação na cidade de Lisboa e até da sua derrota perante um candidato como Carlos Moedas. Temos ainda a esperança que o PS consiga fazer alguma crítica do que foi a sua governação passada e possa, para o futuro, trilhar o outro caminho na proposta política. E a questão da habitação e do alojamento turístico é absolutamente determinante.
Falando sobre Pedro Nuno de Santos. Este apresenta-se como um candidato mais à esquerda do que costumamos ver no PS. Não confirmando ou desmentindo a posição deste, há a ameaça de um abraço de uso que coloca a viabilidade dos partidos à esquerda em risco?
Claro. Ou, pelo menos, num primeiro momento havia esse risco de Pedro Nuno de Santos. Pelo tipo de discurso que faz de relançamento de uma agenda política de esquerda social-democrática no sentido tradicional, que, na verdade, não é muito diferente daquilo que são as propostas objetivas do PCP e do Bloco de Esquerda. Havia esse risco de Pedro Nuno de Santos engolir o espaço mais à esquerda. Na verdade, com tudo o que foi o debate sobre o Orçamento do Estado, esse risco hoje é menor. E creio que há um novo risco, que é se Pedro Nuno de Santos sente que, por causa da sua identidade política ser identificada no espaço público como, supostamente, mais radicalizada à esquerda, ele sente necessidade de contrabalançar essa imagem, atirando-se de cabeça para o centrismo.
Aquelas decisões que tomou no que toca ao orçamento de Estado e agora, mais especificamente sobre permitir a viabilização da descida de um ponto percentual no IRC pode vir desse receio de que ele quer continuar a contar com a simpatia de um eleitorado mais ausente e, portanto, tentará compensar o tempo inteiro essa imagem de radicalidade que lhe foi colada. Eu acho que esse é, neste momento, o risco que está no horizonte.
Voltando ao tema da habitação, qual é que achas que é o papel desta área para retomarmos este espírito que nós tivemos na altura da Gerigonça, reformista e frentista da nossa esquerda?
Eu acho que nós devíamos fazer aquela coisa que se faz de alguns políticos, que é começar a multiplicar exemplos internacionais de formas de regulação de habitação que dão algum tipo de resposta. Eu não creio que exista um modelo que esteja a dar completamente uma resposta, que esteja a funcionar extraordinariamente bem. Temos cidades que funcionam bem por políticas que foram lançadas há um século atrás e, portanto, tinham todo um outro modelo de legitimidade política, estruturação do território, previsão da habitação, como é o caso de Viena.
Acho que se tem que fazer isso, que a forma de convencer as pessoas de que algo tem que ser feito, tem que começar por modelos de regulação de rendas que estão a ser implementados agora na Holanda, foram discutidos na Alemanha. Ainda hoje eu lia sobre um caso [de política de habitação] no estado de Washington. Isto na América neoliberal, aceitável para manter a ideia de uma provisão habitacional acessível.
Há um conjunto de exemplos e eu acho que é necessário começar a criar densidade na sociedade civil, discutir isto com os partidos e construir uma agenda reformista que é para fazer. Não é ter só bandeiras, é construir de forma partilhada um programa comum. Precisamos de um programa comum da esquerda no que toca à habitação.
E tu achas que a habitação pode ser o chão comum que foram as reversões de 2015?
Eu acho que sim, porque é aquilo de facto que toca segmentos significativos de classe média, novas gerações e é um debate que é uma necessidade, mas é também uma coisa que está quotidianamente na nossa vida, todos nós sentimos esta estranheza do mercado habitacional. Não há jantar de amigos abaixo dos 50 anos em que não haja uma história sobre habitação, ou sobre os bairros estarem descaracterizados, ou sobre a necessidade de arranjar uma casa para não sei quem. A habitação tornou-se um problema.
Para fechar, consegues comentar um punhado de livros ou artigos para quem procura entender a ascensão e a queda esquerda na última década?
Sim! Eu acho que nós temos um excelente sistematizador de debates, de pequenos conflitos e de conflitos grandes que se chama Daniel Oliveira. Eu acho que o Daniel é uma boa cabeça nesse sentido. O Daniel a cada momento vai dando a história da semana. Vai e ancorando vai pontuando aquilo com leituras sobre esquerda europeia, identidades políticas e confronto entre as várias esquerdas relações. Se pegarem num acervo de milhares e milhares de artigos curtos que o Daniel Oliveira escreve quase praticamente todos os dias, têm aí um bom arquivo. Ele tem uma compilação mais antiga, dos tempos do George Bush, a que chama a Década dos Psicopatas. Não sei o que ele dirá desta década.
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