Crítica | As Causas do Atraso Português: o sucesso da intermitência intelectual de Nuno Palma
Com uma pedra de toque no Estado Novo, o livro mostra que não é no rigor académico que está o sucesso de Palma.
Nota prévia: Como podes notar, a extensão deste texto é maior do que o costume. Pautado pelos tempos natalícios, deve ser consumido conforme a época, potencialmente para ocupar momentos parados entre celebrações. Com esta derradeira publicação do ano de 2024, a República dos Pijamas regressa em meados de janeiro. Obrigado pelas leituras e partilhas. Boas festas.
Em 2021, Nuno Palma passava do semi-anonimato para o centro da política nacional, após uma intervenção no Movimento Europa e Liberdade (MEL), conferência que tentava reconfigurar a direita no seu inverno na oposição. O Professor de Economia da Universidade de Manchester, num painel apelidado “As causas da divergência económica portuguesa”, fazia uma apresentação que oscilava entre o seu trabalho académico e opiniões comuns no jornal Observador, como “Portugal é um país de esquerda”, a “resiliência do regime PS”, e o “clientelismo da função pública e reformados”. Mas o motivo pelo qual Palma virou assunto foi a sua apreciação sobre o Estado Novo. O Professor apontava para o sucesso económico de Portugal durante o regime de António de Oliveira Salazar e atribuía-lhe um legado positivo na saúde, na educação e na justiça. No final, rematava críticas à forma como os materiais escolares abordam o tema, sugerindo que o ensino está capturado ideologicamente pela “esquerda e extrema esquerda”. Sem usar a expressão, Palma namorava a tese do Estado vergado ao marxismo cultural.
No painel de discussão, João Marques de Almeida (colunista do Observador) abria a sua intervenção com “há uma única conclusão importante na apresentação de Nuno Palma: quanto mais um país é socialista, e quanto mais é à esquerda, mais pobre é”. O diagnóstico foi imediatamente recebido com uma forte ronda de aplausos.
Logo após a conferência, Palma foi acusado de ser um apologista do Estado Novo. O Economista jogou ao ataque e desdobrou-se em direitos de resposta e tweets contra os seus críticos enquanto dava entrevistas e participava em debates nos principais meios de comunicação.1 Se a direita tivesse dúvidas que Palma era um ativo, as reações da esquerda confirmavam-o: Palma passava a fazer amigos à direita ao ritmo que hostilizava a esquerda. Na opinião pública, era defendido por figuras de peso como João Miguel Tavares (aqui e aqui) e José Manuel Fernandes (aqui). Meses mais tarde, o MEL parecia cumprir o seu propósito e Palma integrava a Comissão de Honra da Iniciativa Liberal para as eleições legislativas.
Desenhava-se um acolhimento suave de Palma entre a direita portuguesa e um lugar de ouro entre o comentariado. A realidade provou ser mais errática. Depois da lua de mel, Palma incompatibilizou-se com a IL, chamando ao deputado Bernardo Blanco de “boy tachista, inútil e ignorante” e à sua facção (a maioritária) de “baixo mérito”.2 Quanto aos meios de comunicação social, passou a classificar o Expresso como um “cancro da democracia portuguesa” (aqui e aqui) e considera o Observador e Sol os únicos meios de comunicação que não são dominados por uma “ideologia anticientífica”.
Enquanto isso poderia relegar Palma para um lugar marginal, apenas mais um troll de direita com um doutoramento nas redes sociais, este continuou a seguir o som dos aplausos que recebeu no MEL. Passados dois anos, o Economista publicava “As Causas do Atraso Português: Repensar o passado para reinventar o presente”, no que é em boa medida uma versão aprofundada e com notas bibliográficas da apresentação feita na conferência. Mesmo sem a ampla simpatia da direita portuguesa, o livro tornou-se um sucesso comercial: vai na sexta edição, passou a ter uma versão áudio e tornou-se num curso online da Academia Observador. Além do livro, a presença de Palma no podcast de Miguel Milhão tem mais de 100 mil visualizações só no Youtube.
Também como testemunha do seu alcance, Palma consegue impor visões políticas no centro do debate público. Por exemplo, no podcast 45 Graus, um bastião digital do social-liberalismo nacional, passaram-se poucos minutos até à conversa entre José Maria Pimentel (anfitrião) e Miguel Herdade sobre educação ser moldada pelas teses de Palma, alguém fora da área. O Professor de Economia sabe operar no mundo digital, tem conseguido pautar o ritmo de alguns debates da intelligentsia nacional.
Este sucesso levanta várias questões. Se ignorarmos a personalidade do autor, será que podemos encontrar uma obra que levanta questões pertinentes? Mesmo num livro do qual discordemos em grande parte, poderá Palma ter descoberto um elemento que explique o atraso português? Acima de tudo, qual foi a fórmula de sucesso de Palma? O sucesso deste Economista torna-o merecedor de um olhar cuidadoso, o que naturalmente exige a leitura do seu livro.
A ESTRUTURA, A FÓRMULA E A TESE
O livro de Palma pode ser dividido em quatro partes: Portugal desde a Idade Média até encontrar ouro no Brasil; o período do ouro até ao fim da Primeira República; o Estado Novo; e Portugal democrático e o seu futuro. Mostrando que é mais um livro de Economia do que História, os quatro períodos são definidos pelos seus resultados económicos, alguns de convergência com o pelotão da frente, outros de declínio. No que toca aos fatores que levam ao crescimento ao longo da história portuguesa, Palma parte com dois agentes explicativos: o poder/escrutínio do Estado (qualidade das instituições em economês genérico) e o nível de educação da população (capital humano). Em boa parte da obra, o autor vai argumentando, pelo menos implicitamente, que o nível de tolerância religiosa é o principal meio pelo qual estes dois fatores interagem ao longo dos séculos.
O académico inicia a obra com temas mais centrados na sua especialização, sendo ele um dos autores de estimativas do PIB per capita em Portugal desde 1530. Ao longo do livro, a análise vai entrando num registo mais opinativo, atingindo o seu expoente máximo no último capítulo.
O livro, ao propor-se a acabar com mitos, aponta o dedo a um conjunto de antagonistas que não permitem que a verdade científica seja conhecimento popular e um consenso nacional. Na sua escrita, é notório que o autor se posiciona como um Galileu da história económica, em luta contra o sistema para mostrar a verdade científica: “descrevo factos que, pela sua natureza objetiva, são pouco suscetíveis de discussão – embora, ainda assim, existam inevitavelmente «terraplanistas» que os tentem negar”.3
Quanto à legitimidade que Palma chama a si por citar as “melhores revistas do mundo” (inclusive artigos do próprio), é crucial ter em atenção alguns aspetos. Muitos dos resultados citados não implicam as conclusões do seu livro, mas são apenas peças usadas para compor a narrativa. Enquanto um artigo que explore a captura institucional do Estado na época do Marquês de Pombal pode estar certo, transpor os mesmos argumentos para descrever a economia século XXI exige mais elementos. Adicionalmente, a publicação numa revista não torna algo numa verdade incontestável - até porque revistas (e mesmo autores) podem duplicar ideias contraditórias ao longo do tempo, com base em novas informações. Dito isto, não iremos contestar nenhum artigo em específico citado na obra.
De forma resumida, “As Causas do Atraso Português” argumenta que Portugal nem sempre esteve na cauda da Europa. Quando ainda dava os primeiros passos na exploração marítima, era um país tecnologicamente desenvolvido, relativamente rico e com boas instituições para o contexto europeu. A descoberta do ouro brasileiro criou problemas no funcionamento político e económico, resultando num longo ciclo de declínio, em que o Marquês de Pombal é o principal vilão.4 O Estado Novo, com o reformismo do regime de Salazar, é um ponto de viragem no declínio nacional, interrompido pela irresponsabilidade do período revolucionário. Por fim, o Professor de Economia faz um paralelo entre o ouro do Brasil e os fundos europeus para explicar a falta de convergência de Portugal no século XXI.
Por último, sendo o objeto de estudo um cruzamento da Economia com a História, este levanta questões entre as diferentes práticas. As formulações e a exploração de Palma enquadram-se mais naquilo que tende a ser a prática de um Economista, explicar o crescimento através de um conjunto de indicadores-chave, do que de um Historiador. Por exemplo, a extrapolação de valores do PIB (Produto Interno Bruto) estimados para séculos passados é uma prática vista com naturalidade (talvez de forma excessivamente acrítica) pelos primeiros e estranheza pelos segundos.
Assim, deixando grandes disputas historiográficas para os vários Historiadores que as têm feito, iremos analisar Palma nos termos do próprio. Aqui procuramos analisar a coerência e credibilidade, do ponto de vista económico - entender se os mecanismos propostos pelo Economista são mesmo formas credíveis de explicar o desenvolvimento nacional ao longo dos séculos.
RUMO AO OURO
O primeiro terço é a parte mais engajante da obra e, no que diz respeito à sua tese, quase inofensiva. Palma enquadra o nível de desenvolvimento do reino português desde os finais da idade média para afirmar que o nosso atraso não é uma constante histórica.
O autor afirma que Portugal e Espanha são países com níveis de desenvolvimento tecnológico e institucional relativamente alto para a época, o que contribui para o sucesso da expansão colonial. Usando o seu modelo de educação-instituições, o Professor de Economia aponta que Portugal, uma sociedade tolerante para os padrões europeus da época, foi capaz de beneficiar da troca de conhecimento entre diferentes civilizações e de promover um ciclo de desenvolvimento e inovação. No que toca à liberdade religiosa, ataca a ideia da Inquisição como algo particular à Europa Católica, com um papel no desenvolvimento.5 Palma afirma que é errado assumir que não houveram “inquisições” nos países protestantes do norte da Europa, dando a entender que foram mais prejudiciais que a portuguesa, tendo já países como a Inglaterra e França expulso os judeus.6
Outra ideia contrariada é o peso da expansão colonial na economia nacional no século XVI e XVII, antes da descoberta do ouro no Brasil. Do ponto de vista económico, o Império é descrito como “a chegada de alguns barcos por ano ao Terreiro do Paço”.
Nesta primeira parte, os principais antagonistas do Economista estão na historiografia estrangeira. O autor critica duramente a investigação do mundo anglo-saxónico, que mitifica Portugal (e Espanha) como sempre mais atrasado, intolerante e déspota do que os países como a Inglaterra e a Holanda.7 Chega a criticar dois dos mais recentes galardoados com o Prémio Nobel da Economia - Daron Acemoglu e James Robinson - por alimentarem estas teses no seu livro, “Porque Falham as Nações”.8
Além dos estrangeiros, o “historiador não convencional” começa o seu ataque aos historiadores tradicionais nacionais, por alegadamente exagerarem os impactos económicos do Império.9 Segundo Palma, estes estão “presos às suas regiões e épocas de especialidade” e “com as devidas exceções, não se arriscam também a aprender métodos quantitativos”. Para o Professor de Economia os números não mentem [“Mas, sem números, tudo não passa de opiniões sem fundamento”], e a esmagadora maioria dos historiadores são alérgicos a estes.10
Embora este capítulo não tenha um grande peso na sua metanarrativa, é crucial para o sucesso entre os leitores. É aqui que Palma convence o leitor que este está perante um especialista rigoroso e interessante. Palma captura os olhos da sua audiência ao explicar de uma forma didática e eficaz factos pouco conhecidos - como a idade de casamento das mulheres portuguesas desde a idade média e o papel militar dos municípios que colocava freios ao poder da coroa portuguesa -, e metodologias académicas - por exemplo, os desafios em ler documentos do século XVII. Ganha ainda mais simpatia do leitor português (tanto à direita como à esquerda) ao desafiar os estereótipos persistentes na academia e cultura popular do norte da Europa.
A DOENÇA IBÉRICA
É neste capítulo, que a tese central de “As Causas do Atraso Português” ganha forma. Palma aplica os conceitos do estudo do desenvolvimento económico, para descrever Portugal nos finais do século XVII. Em particular, assinala a descoberta do ouro no Brasil, que marca o início do declínio nacional.11 Segundo o autor, a abundância deste metal precioso cria um duplo problema: económico e político.
Do ponto de vista da estrutura económica, a descoberta do ouro leva “a um processo de desindustrialização” do país. O influxo do metal precioso faz a moeda nacional apreciar, tornando a importação de produtos (em especial de Inglaterra) muito barata, o que dificulta a sobrevivência de indústrias exportadoras emergentes. Este choque já teria acontecido em Espanha, no século anterior, com a prata das Américas. O argumento importa um problema recorrentemente explorado na Economia, tipicamente chamado de Doença Holandesa (Dutch Disease).12
No campo político, o argumento do livro é de que as instituições nacionais não estavam preparadas para receber ouro. Com as receitas extraordinárias deste metal, a coroa portuguesa deixa de precisar de negociar politicamente novos impostos, reduzindo o escrutínio e logo a qualidade da governação. Este argumento é ancorado no facto de que as Cortes em Portugal e em Espanha, com representantes de todas as classes, que respondiam aos interesses de municípios, deixaram de reunir após a descoberta do ouro e prata, respectivamente. Com todo o século XVIII sem as cortes portuguesas se reunirem, este é, segundo o autor, o período em que Portugal pode ser classificado de absolutista.13
Para pôr o argumento à prova, mesmo sem questionar a validade de séries históricas estimadas para o PIB, é possível detetar um hábito de Palma: as comparações excessivas face ao Reino Unido (especificamente Inglaterra).
O declínio comparativo de Portugal face a Inglaterra dá-se mais cedo e com maior intensidade do que noutros países como a França ou a Holanda. A relação PIB per capita com a Holanda é bastante estável entre 1530 e 1850. Com França a divergência dá-se no final do século XVIII. O trabalho académico do autor, que alimenta a tese central do livro, utiliza um conjunto alargado de países para quantificar os efeitos do ouro em Portugal. O uso de Inglaterra, que podia ser apenas uma simplificação, vai no sentido de forçar um contraste que não se fica por aqui.
Em paralelo com a deterioração das instituições causada pelo ouro, a política anticlerical surge como determinante. A expulsão dos jesuítas, protagonizada por Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) é a chave para entender o histórico atraso educacional (e económico) do país. Segundo Palma, nesse período, enquanto boa parte da Europa avançava educativamente, o Marquês de Pombal, ao expulsar aqueles que tutelavam grande parte do sistema educativo, guinava Portugal numa direção diferente. Como exemplo máximo, apresenta o caso da Universidade de Évora, que é encerrada e as suas salas transformadas em estábulos. Com isto Palma denuncia Pombal como tendo uma política económica estatista e desastrosa, que promoveu o “capitalismo de compadrio”.14 Com recurso a estimativas históricas do PIB e outros dados, o autor alega que o efeito do terramoto de 1755 é economicamente marginal e que o seu único efeito duradouro foi o de concentrar ainda mais poder no Marquês de Pombal.
Enquanto a ligação entre políticas anticlericais, níveis de educação e nível de vida é razoável, o leitor pode ficar com a sensação de que Portugal foi o único país afetado pelo anticlericalismo. A escolha em ancorar todo o seu argumento no contraexemplo inglês, ignorando França, alimenta um falso determinismo.15
Na argumentação sobre este período o desafio ao legado do Marquês de Pombal é essencial. Aquele que, não fazendo parte da família real, será talvez o político mais conhecido da história pré-republicana, é o primeiro dos grandes vilões de Palma, apelidando-o de “o pior político de sempre a governar Portugal”.16 Pombal é o autor das decisões “mais desastrosas que alguma vez foram tomadas no país” e sugere derrubar a sua estátua no centro de Lisboa.17 O destaque dado ao Marquês de Pombal surge como bizarro nesta fase do livro, um quase fetichismo para com o secretário de Estado do Rei José I, cujo voluntarismo anticlerical teria condenado o país à desgraça. À medida que nos aproximamos do presente, a obsessão com o Marquês de Pombal, o estereótipo de governante estatista do “capitalismo de compadrio”, torna-se mais clara.
LIVRO PRENDA DE NATAL
Por esta fase chegámos a metade do livro de Palma. Até a este ponto, é um livro com a escrita e argumentação claras, tocado por uma ambição exagerada de explicar grandes fenómenos sociais.
Tornam-se evidentes as comparações face a outros sucessos de vendas nas ciências sociais, geralmente chamados de livros de aeroporto (melhor traduzido para Livro Prenda de Natal). Dentro desta categoria, alguns livros tentam explicar toda a humanidade da forma mais sucinta possível (Sapiens). Outros argumentam que um factor específico determina quase todos os fenómenos da humanidade (Prisioneiros da Geografia ou Porque Falham as Nações). Em especial no ramo económico, existe o género de “desmontar mitos” através de ideias contraintuitivas e fora do senso comum (p.ex. Freakonomics ou Os Mitos da Economia Portuguesa).
“As Causas do Atraso Português” propõe, em pouco mais de 300 páginas, fazer as três coisas em simultâneo para Portugal: explicar a história de forma altamente esquematizada, seguindo a evolução de um pequeníssimo número de fatores ao longo do tempo e atacando “mitos” e “certas narrativas” da História de Portugal. No fundo, o livro apresenta explicações simples para fenómenos altamente complexos, apropriadas para que o leitor se sinta um especialista na ceia de Natal.
Em suma, apesar de não ser convincente a explicar as causas do atraso português, Palma prospera na arte de escrever “Livros Prenda de Natal”. No que toca à arte da escrita, Palma parece ter aprendido com o jornalista João Miguel Tavares, um aliado do autor e outra figura na nova direita. A forte ligação entre ambos não é um exercício de especulação da nossa parte - Tavares merece um lugar de destaque nos agradecimentos e na capa do livro, tendo tido um papel decisivo na existência na obra (ao lado do pai do autor), e dedicou uma das suas colunas de opinião no Público a promover a obra.18
Ao dominar bem esta arte na primeira metade do livro, Palma conquista a liberdade para relaxar gradualmente o grau de rigor e transmitir cada vez menos factos e mais opiniões. O grande impulso deste movimento é discutir o pré 25 de Abril.
O ESTADO NOVO EDUCACIONAL?
Sendo o livro um aprofundamento da intervenção de Palma no MEL, o capítulo do Estado Novo também é aquele que gera mais polémica. A grande tese do Professor de Economia é que o Estado Novo foi um período de forte crescimento e convergência para com a Europa. Enquanto os debates do declínio de Portugal à entrada para a Idade Moderna poderiam ser uma mera questão académica, quando disputa o legado do Estado Novo, Palma põe o pé na porta para discutir o presente e o futuro de Portugal.
Ao longo de toda a obra, Palma sente que descobre um novo astro sempre que aponta uma contradição entre algo nominal (de jure) e algo real (de facto) - o que quase considera ser uma excepcionalidade portuguesa. A contradição entre lei e realidade também se aplica aos tempos do fascismo, mas com uma particularidade. O Estado Novo costuma ser vendido, inclusive por muitos dos seus defensores, como um regime cinzento e paroquial, moldado em conformidade com os discursos de António de Oliveira Salazar. Palma tenta combater essa ideia, falando de diferenças entre o discurso e a realidade salazarista, e apresenta um regime reformista em áreas como a educação, a saúde e a abertura ao comércio internacional. Enquanto na parte anterior o problema de Palma era uma comparação excessiva face a Inglaterra, aqui os contrastes ficam por fazer em toda a linha.
O crescimento económico durante o Estado Novo mostra-se, especialmente a partir da década de 1950, forte e incontestável. O autor argumenta que o contexto internacional favorável não é suficiente para explicar a convergência, visto que houveram outros períodos vantajosos que não foram aproveitados por Portugal. O argumento de Palma é bizarro, ao não reconhecer que diferentes conjunturas mundiais têm efeitos distintos nas diferentes geografias.19
Esta falha da análise é trivialmente solúvel ao contextualizar Portugal, de forma sistemática, no quadro da periferia europeia. Neste período, o crescimento económico por habitante (PIB per capita) foi inferior ao grego e em linha com o espanhol, também sob regimes autoritários.20 Este facto não invalida a tese de convergência económica, mas evidencia algumas das fragilidades de Portugal dentro da periferia sul europeia, em especial a nível educacional, a força motriz de “As Causas do Atraso Português”.
Para a educação, o autor continua a recorrer a indicadores pontuais, anteriormente justificando-se pela falta de dados históricos, apesar de existirem muitas mais informações disponíveis referentes ao século XX. A redução da taxa de analfabetismo e a abolição do analfabetismo infantil são apresentadas como as provas cabais de que o regime valoriza a educação e do peso herdado dos problemas estruturais do país. Recorrendo à sua investigação, Palma alega que a educação alinhada com princípios católicos e conservadores reduziu a resistência das famílias em colocar os filhos na escola.
Dar mínimos de educação à população era uma condição necessária para tornar Portugal um país industrial-exportador, e a alfabetização das crianças vai nessa direcção. Convenientemente, não há uma única menção ao facto de Portugal continuar muito atrás de Espanha e da Grécia no final do regime em métricas como a taxa líquida de frequência do ensino primário, e a frequência nos ensinos secundário e universitário. Em 1973, mais de duas décadas depois do analfabetismo infantil “estar resolvido”, uma parte das crianças portuguesas não entravam no ensino primário na devida idade ou abandonavam-o precocemente (12%). Aí, a convergência com Espanha e Grécia só se dá no Portugal democrático.
No início da década de 1970, a população a frequentar o ensino secundário continuava muito abaixo da de Espanha e da Grécia, isto numa geração que já tinha beneficiado do reformismo educacional do Estado Novo elogiado por Palma.21 O autor ainda pode alegar que isso se deve ainda a problemas herdados, mas mais interessante e revelador, é a taxa de frequência no ensino superior português não ser muito diferente da de Espanha em 1971-72 e começar a divergir no último ano do Estado Novo (1973). Palma segue em frente sem questionar a sua tese central, nem sequer colocando a hipótese de que o esforço de guerra estaria a criar problemas futuros ao absorver uma parte significativa dos recursos. Seguindo o modelo de crescimento argumentado pelo autor, chegaríamos à conclusão que esta divergência com Espanha teria consequências no longo-prazo, herdadas no período democrático.
Quando fala do ensino secundário e superior, num movimento que se vai tornando constante no livro, Palma abandona temporariamente a sua abordagem empírico-compativativa, sintetizada no “sem números, tudo não passa de opiniões sem fundamento” e tem uma argumentação mais subjetiva e descontextualizada. É afirmado que “no ensino secundário, e até universitário, a expansão foi mais tardia, como seria de esperar, mas também começou em força ainda durante o regime. Que assim tenha sido faz sentido: sem haver aceleração prévia no ensino primário, dificilmente poderia ocorrer uma aceleração sustentada no ensino secundário.”22; e usa a criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) como evidência do progresso na educação superior durante o Estado Novo.23 Estes factos são insuficientes para inferir a tão desejada convergência educacional nesse período.24
SALAZARISMO SEM COLÓNIAS
Apesar dos elogios ao reformismo estado-novista, Palma não deve ser simplesmente amalgamado com os habituais defensores do Salazarismo. Enquanto um dos grandes legados invocados pelos saudosistas do Estado Novo é a construção da Ponte 25 de Abril (à qual estes apreciam invocar o seu antigo nome), destacando factos como ter sido terminada antes do prazo previsto, o Professor de Economia é abertamente cético sobre o papel das infraestruturas e do planeamento no desenvolvimento de longo-prazo das nações. A electrificação dos Planos de Fomento (contributo para a industrialização do país) e infraestruturas-chave na Área Metropolitana de Lisboa (como o primeiro troço da A1 e o metropolitano) são praticamente notas de rodapé.25
Outra diferença para com os defensores tradicionais do regime é o papel das colónias. Este é desvalorizado, fazendo parte do conjunto de mitos difundidos pelos “políticos, em particular pelos que fingem ser historiadores” e pelos historiadores com “obras de duvidosa qualidade”.
A argumentação sobre o Império (de duas páginas) é pouco mais do que a enumeração de estatísticas de exportação. O Professor de Economia afirma que o “período áureo em termos relativos das exportações para as colónias foi o dos anos 1950, quando estas andariam pelos 20-25%”. Foram as colónias importantes mercados (preferenciais e protegidos) para desenvolver indústrias incipientes na década de 1950, antes da entrada na EFTA? Não sabemos e “As Causas do Atraso Português“ não nos ajuda a entender.
A desvalorização do Império é tal que o leitor ainda acabaria por achar que manter uma guerra colonial de treze anos, com consequências fatais para o regime, foi um delírio coletivo das elites do Estado Novo. Para um intelectual que fica tão incomodado quando é acusado de ser apologista do Estado Novo, Palma perde uma oportunidade dourada de usar a Guerra Colonial na sua metanálise histórica como uma descontinuidade - do tipo ouro do Brasil - para justificar os percalços na convergência portuguesa com a Europa.
Baseando-se no modelo de análise do livro e nos dados apresentados, o autor poderia ter argumentado que a insistência em manter as colónias, através da alocação de pelo menos 4% do PIB por ano em despesas militares e a limitação do progresso de capital humano (pelas baixas na guerra e emigração de jovens qualificados), teria, em última instância, acabado com o reformismo pragmático do Estado Novo.26 A Guerra Colonial, em vez de permitir a transição para a democracia do estilo espanhola (desejada pelo autor), contribuiria indiretamente para o PREC, que segundo Palma “empurrou o país para políticas irresponsáveis e estatistas”.27 Em vez disso, temos um lamentar pouco apaixonado face aos gastos militares do Estado Novo, numa das poucas comparações que faz entre Portugal e França, e uma incompreensível desvalorização da perda de jovens para a emigração porque teve “impactos líquidos reduzidos na população do país, que caiu apenas algumas centenas de milhares de pessoas“.28 Chocantemente, nas páginas em que é descrita a explosão da emigração, chegando ao seu pico em 1970, a Guerra Colonial não é referida uma única vez como um factor causal.
Palma opta por uma versão de defesa do reformismo do Estado Novo que deixa a bagagem do império colonial para trás, mas fá-lo sem antagonizar aqueles que aspiravam a uma presença prolongada de Portugal em África. Para o autor, a luta por manter o Império não é boa nem é má e não tem efeitos duradouros na economia nacional. Através de um punhado de estatísticas das exportações para as colónias, os treze anos de guerra colonial (quase tantos como a Primeira República) e o posterior “Retorno” de centenas de milhares de portugueses tornam-se num assunto pequeno demais para uma apreciação séria.
Em parte, este caminho argumentativo, ao deixar de lado fatores como as infraestruturas e as colónias, é compreensível. Durante quase toda a narrativa, a educação é o fator explicativo do seu modelo de desenvolvimento de longo-prazo, de forma quase unidimensional. Logo, se Portugal convergiu economicamente durante o Estado Novo, certamente também o fez educacionalmente. Assim sendo, não é necessária uma abordagem comparativa que vá para além do analfabetismo infantil. O grande esquema explicativo de Palma começa a mostrar sinais de desgaste.
Se o elogio de Palma ao Estado Novo segue um caminho diferente do dos saudosistas clássicos, o mesmo não pode ser dito sobre o que se segue à Revolução de Abril. Assim, o livro argumenta que durante o período revolucionário Portugal sofreu danos estruturais que pautam o comportamento da economia nos últimos 50 anos. Como corolário, teria sido preferível uma transição pacífica e negociada, à semelhança da de Espanha. Segundo o autor, as políticas do PREC (nacionalizações, reforma agrária, reformas laborais etc.) destroem a capacidade produtiva do país e criam “condicionamentos culturais de origem política”, fazendo Portugal “num país de esquerda”, logo irreformável a prazo.29
EDUCAÇÃO NA DEMOCRACIA: A RETIRADA ESTRATÉGICA
A rota descendente da obra em qualidade culmina no último capítulo. Depois de deixar o campo de apresentar factos interessantes, para passar ao domínio das opiniões precipitadas, coxas em fundamentação, a obra deságua na parte “um bocadinho mais opinativa” de um “livro de divulgação científica”.30 Depois de cultivar a credibilidade entre o leitor, e de o compatibilizar com um tom elogioso sobre o Estado Novo, Palma despeja as suas frustrações com o país naquilo que é pouco mais do que uma publicação de Facebook, que mistura estatísticas com estórias, agigantado com notas de rodapé.
Visto que a economia no período democrático não tem conseguido uma convergência sustentável, o autor ensaia um resgate do par de variáveis explicativas (a educação e as instituições) para explicar o fenómeno, e a este acrescenta um “novo ouro do Brasil”, sob a forma dos fundos comunitários. Mais uma vez, dados plenamente conhecidos, parte do domínio público, ficam por utilizar.
A educação, a chave para explicar a fraca evolução portuguesa à entrada para a modernidade, tábua de salvação da legitimidade do Estado Novo, é saneada na argumentação sobre o Portugal de hoje. O autor afirma que “os investimentos em capital físico continuam a dominar, ficando o capital humano para trás” e ignora uma série de informações que chocam com a sua ideia. Durante o século XXI, um período de fraco crescimento económico, Portugal fez um rápido caminho de convergência educacional, tanto em termos qualitativos como quantitativos. Quanto ao investimento público na educação, ao contrário do que é argumentado por Palma, não tem sido baixíssimo.
Enquanto em partes anteriores do livro Palma recorre a estimativas da literacia para o século XVIII, os dados modernos sobre a educação não lhe são relevantes. A obra não se refere uma única vez aos resultados do PISA ou TIMSS, exames que comparam a aprendizagem entre países e onde Portugal passou do fundo da tabela, no início dos anos 2000, para uma performance em linha com a média. Não é por falta de conhecimento, ou achá-las pouco apropriadas, que Palma ignora estas informações. Quando confrontado com este progresso, o Professor de Economia diz que sempre teve “muitas se dúvidas se isso fosse real ou durável”, sem explicar o porquê.31 Mais recentemente, quando estes dois indicadores mostraram uma tendência de declínio ao seu agrado, o autor passou a citar os resultados do teste.32
O Professor de Economia também ignora no livro, e desvaloriza por completo em geral, que a percentagem de números de jovens com ensino superior em Portugal passou a estar acima da média europeia e da maioria dos países do Leste Europeu. Numa conversa sobre o livro, Palma acaba por reconhecer os altos níveis de jovens a ir para a Universidade, mas riposta com “isso acontece muitas vezes por falta de oportunidades profissionais das pessoas. Vão estudar porque não há outra coisa para fazerem” e “que a qualidade do ensino é muito baixa”, de novo sem citar informações que validem tal afirmação.33
Esta prática é comum na argumentação do autor, em especial no tema do ensino. Ao discutir a fraca qualidade do ensino superior numa entrevista ao Jornal Eco, a jornalista contrapõe com os recordes sucessivos nos registos de patentes, a maior parte registada por universidades – Palma desvaloriza com a seguinte frase: “se essa dinâmica fosse real, não era verdade que 40% dos jovens que tiram licenciaturas saem imediatamente do país”.34
Estes argumentos poderiam ser o início de uma discussão sobre o determinismo da educação para o desenvolvimento económico, mas certamente Palma não se atreveria a entrar num caminho que colocaria toda a narrativa do seu livro em cheque. Se Palma tivesse mantido-se fiel ao seu determinismo educacional para o século XXI, e a sua velha máxima de “sem números, tudo não passa de opiniões sem fundamento”, arriscava-se a encontrar heróis improváveis em António Guterres, ou mesmo José Sócrates. Principalmente nestas contradições do período contemporâneo, Palma refugia-se no “teste do tempo”, sempre por chegar, que lhe vai dar razão. Como mostram as constantes retificações que faz em participações no espaço público em que é confrontado, a tese de livro não explica o que propõe, e Palma parece aperceber-se disso.
As partes anteriores, em particular a sobre o regime Salazarista, embora criticáveis, têm valor informativo e oferecem material para discutir as causas do atraso português. Aqui, enquanto se exige o culminar das conclusões anteriores, Palma apenas consegue ligações emocionais. Mostrando-se muito mais Economista do que Historiador, quando o modelo que construiu mostra-se incapaz de ser fiel a si mesmo, elementos teológicos são invocados para preencher as lacunas. O omnipresente “capitalismo do compadrio”, ao qual Palma atribuiu a paternidade ao Marquês de Pombal, é a estória utilizada para manter a sanidade dos seus argumentos. Outro elemento teológico, usado em particular para preencher o vazio deixado por não discutir os dados recentes sobre a educação, é um dos chavões preferidos pela direita portuguesa nos últimos anos – a falta de literacia financeira entre os portugueses.35
“Por exemplo, o muito baixo nível de literacia financeira da população – estamos no fim da lista a nível europeu – ajuda a explicar não só a baixa produtividade do trabalho, mas também a passividade do povo relativamente às péssimas escolhas de políticas públicas.”
Para o determinista do nível da educação quando lhe convém, é esta a chave para explicar o que considera ser a nociva presença do Estado na TAP:
“Um exemplo – que a seu tempo pouco importará, mas que aqui dou, apenas a título ilustrativo – foi o «investimento» de mais de três mil milhões de euros na TAP durante os anos da pandemia COVID-19 e seguintes.”
Mostrando de novo a falência da sua estrutura, as ideias de Palma sobre o papel do investimento em capital físico são confusas e contraditórias. Depois de passar toda a obra a desvalorizar o papel das infraestruturas, Palma lamenta que que os investimentos em capital físico “continuam a dominar” Portugal e consegue simultaneamente referir que “o baixo investimento público tem levado a uma forte erosão do capital público, com a depreciação a ter efeitos negativos para a produtividade que se vai sentir durante décadas”. O autor é altamente hostil ao investimento público em capital físico, excepto quando consulta as estatisticas sobre este. A grande narrativa de Palma, focada na educação e instituições, esmorece a cada página no derradeiro capítulo.
FUNDOS EUROPEUS: O NOVO VÍCIO DA ECONOMIA PORTUGUESA
O culminar da obra de Palma, depois de uma narrativa que percorre séculos, com um fio dúbio ao longo do tema da educação, são os fundos europeus dos quais Portugal beneficia. É aqui que a narrativa sobre o ouro do Brasil volta a emergir. Mesmo que ligeiramente mais credível do que a parte sobre a educação, soa a um argumento de entrada num tema, não a uma conclusão de um longo processo dedutivo. Notavelmente, na procura de um novo ouro, o livro não dá qualquer importância a fenómenos correntes na economia portuguesa, como o crescimento do complexo turístico-imobiliário ou à eventual exploração de lítio.36 O diagnóstico de Palma é sintetizado no parágrafo:
“A partir do início do século xxi, Portugal estagnou. As ineficiências e desorganização da década seguinte ao 25 de Abril estavam resolvidas, mas o modelo de desenvolvimento industrial português esgotou-se, gerando grandes desequilíbrios externos, com a concorrência de economias em ascensão, como a Europa do Leste e a China (que entrou na Organização Mundial do Comércio em finais de 1999) a sentir-se cada vez mais. A Maldição dos Recursos apareceu, começando a ter os fundos europeus um efeito líquido negativo para o país, tanto em termos económicos como institucionais.”
A ultrapassagem económica por parte dos países do leste/centro europeu, são usados como prova da tese. O facto de alguns desses mostrarem indicadores que sugerem instituições de qualidade duvidosas e em declínio, que segundo a narrativa do livro ditaria o insucesso económico, são ignorados.37 Focando nos fundos europeus, o problema central do argumento de Palma está de novo naquilo que ele deixa de fora, e desta vez a falha é dupla.
Por um lado, o autor sacode para baixo do tapete o porquê dos países do antigo bloco soviético, também grandes receptores líquidos de fundos europeus, não sofrerem da mesma degeneração devido ao “ouro moderno”. A sustentar a ténue tese de Palma está que este conjunto de países “retirou conclusões da sua história”, o que significa não terem a tal “cultura de esquerda”. Mostrando-se de novo incapaz de explicar a realidade com o seu modelo, Palma injeta uma nova variável. Num movimento que lhe é constante, quando o seu materialismo deixa de servir, as ideias [“a divergência que foi também cultural”] passam prontamente a ser o único motor da história.
A contrariar Palma, no que toca à chico-espertice para receber fundos, Portugal não está no pelotão da frente. Por exemplo, quando se trata de manobrar as zonas geográficas que ditam o recebimento dos fundos europeus, em 2018 a Hungria separou a sua capital da zona circundante (NUTS III), impedindo o alto nível de rendimento da primeira de privar a segunda de fundos. No caso português, um movimento semelhante, de separar a Grande Lisboa da Península de Setúbal, aconteceu apenas em 2024. Outros países do leste europeu, como a Chéquia, Polónia e Roménia, também têm um histórico de isolar administrativamente as suas cidades mais ricas para receber mais fundos.
Por outro lado, existe um outro país da UE que está praticamente estagnado desde o início do século XXI, e que também apresenta sérias dificuldades em competir com a Europa do Leste e a China. Esse país é a Itália e não recebe fundos (líquidos) europeus.38 Tanto Portugal como Itália começaram a estagnar após a entrada na moeda única, o que poderia pelo menos levantar questões ao autor – que este simplesmente resolve ao afirmar que é um “mero sintoma”.39
A estrutura inicial de Palma, baseada na educação, não serve de modelo para explicar o atraso. O remendo dos fundos europeus, extraído para colmatar as falhas da moldura inicial, também não é bem sucedido. No entanto, invocar discretamente a questão europeia também explica o sucesso de Palma entre a audiência alargada.
UMA TESE REALMENTE NOVA?
A tese da Maldição dos Recursos por via da integração europeia, explicada através de outros mecanismos, não é nova, como mostra o trabalho de Economistas como Ricardo Paes Mamede, e mais recentemente João Alcobia e Ricardo Cabral. Novamente, Palma não se sente na obrigação de explicar o porquê da sua hipótese, que não foi publicada “nas melhores revistas do mundo”, ter mais validade do que as já existentes no mercado de ideias.
O sucesso de Palma também parece surgir aqui, ao abordar a integração europeia, tema quase ausente do debate público português. Fazê-lo a partir do ângulo errado é precisamente o que torna aceitável entre figuras como as que o convidaram a estar no MEL. Notavelmente, a moeda única é uma temática que tem menos referências no livro (uma) do que o cientista Galileu Galilei (duas). Fazê-lo enquanto tem mais acesso aos meios de comunicação (apesar das constantes birras sobre a sua exclusão) do que as vozes alternativas colocam Palma em posição privilegiada para encabeçar a frustração latente sobre a integração europeia.
Pelo caminho fica uma discussão séria sobre os fundos europeus, que apesar da tese de Palma falhar o alvo, não devem ser classificados como um não assunto. Os fundos comunitários têm tido claramente um papel político-económico. Contudo, este Economista não é convincente na sua argumentação de que há uma excepcionalidade portuguesa nesta questão.
Como única solução para este problema, o livro aponta para o exterior: a UE tem que acabar com os fundos europeus. Sendo o país irreformável porque o “muito baixo nível de literacia financeira da população (...) ajuda a explicar (...) a passividade do povo relativamente às péssimas escolhas de políticas públicas”.40 Neste quadro, os fundos são a “aspirina rápida em resposta à doença da economia, impedindo que as consequências das más decisões políticas sejam sentidas na sua plenitude”.41 Portugal só se pode libertar de si próprio quando os eleitores sentirem a dor e perceberem que votam mal, e tal só acontecerá quando Bruxelas assim o decidir. Com um tom de desprezo, Palma é incapaz de conceber que a agência para as boas decisões se encontre dentro do próprio país.42
As conclusões de Palma são consistentes com a sua experiência e frustração enquanto eleitor. Durante o MEL, o Professor de Economia expressou simpatia por Pedro Passos Coelho, em quem votou. Não é descabido considerar que a sua visão de austeridade reformadora é fundamentada nas reformas em contexto de austeridade, como uma imposição externa, durante a Troika.43 Depois de toda uma modelização económica, sucessivamente emendada com pouco sucesso, o autor confessa o seu amor a um fim dos fundos europeus que funcione como uma Troika invisível e permanente.44
O MARQUÊS E OS COSTAS
Num capítulo intermédio, que serve de prelúdio para a discussão sobre o Estado Novo, é feito um apanhado da Primeira República, cuja primeira afirmação, com um eco do Historiador Rui Ramos, é “A Primeira República foi um regime sectário e radical”. Afonso Costa e o seu Partido Democrático, elementos cruciais durante estes anos, são colocados em julgamento por Palma.
Resumidamente, entre alusões ao papel da Maçonaria, Palma acusa Costa e o seu radicalismo anticlerical de frustrarem os esforços de modernização do país. O peso da personagem de Costa pode parecer estranha para a história que Palma quer contar, principalmente dado o curto período de tempo da Primeira República, mas este deixa escapar pistas do porquê ao referir: “logo no mês a seguir à revolução, Afonso Costa também propôs que os restos mortais de Pombal fossem transferidos para o Mosteiro dos Jerónimos, que funcionava à época como Panteão Nacional”.
O ouro do Brasil, a educação, ou os fundos europeus abordados mostram-se meros acessórios para a sua meta-estória. Com um esquema explicativo no livro que se vai desmoronando à medida que se confronta com a realidade, a grande linha consistente para Palma é uma de um espírito coletivo que corrompe o país: o amiguismo com uma face progressista, lubrificante dos negócios e assente no Estado, apelidado de capitalismo de compadrio. Dada a publicação do livro em 2023, é evidente que esta é a caricatura com que a direita encarava o Partido Socialista de António Costa no governo. Ao encontrar o bloquismo na Primeira República de Afonso Costa, os outrora aliados de António Costa também surgem em cena.45
No tremido zig-zag, utilização seletiva dos dados, e tese falhada, a boia de salvação de Palma é o fantasma de um político centrista, equilibrista de interesses e gestor de um status quo degenerado, com sucessivas encarnações, passando pelo Marquês de Pombal e os dois Costas. Palma procurava uma narrativa com credenciais académicas para explicar as causas do atraso português. O seu modelo não sobrevive dentro da própria obra, e resta uma telenovela repleta de caricaturas e questões causadas por supostos problemas culturais. Aníbal Cavaco Silva, a quem o mesmo retrato de compadrio era apontado durante os seus anos como primeiro-ministro, é apenas referido uma vez como ator de “uma certa normalização do país a nível económico”.
É este discurso, não a ambição de perceber as causas do atraso português, que vale os elogios que Palma recebe entre públicos como o do MEL. Não obstante, seria precipitado, ou mesmo preguiçoso, apontar o palco oferecido a Palma como a única razão para a projeção que este tem na sociedade, expressa nas sucessivas edições que a obra alcança.
O APELO E FUTURO DE PALMA
Enquanto que com os argumentos expostos acima podemos provar que a tese de Palma não cumpre os requisitos mínimos, não devemos esperar que este se iniba de continuar o seu percurso como um dos principais quadros intelectuais da direita. Mesmo incompatibilizado com a direita partidária, os números de vendas de Palma mostram que continuará a impor o seu cunho intelectual bem além dos saudosistas do Estado Novo. Dado o seu comportamento, se Palma fosse um mero propagandista ou tradutor glorificado, já teria sido substituído por outrem.
Talvez até mais do que o sucesso do livro, está a sua presença nos ditos meios de comunicação alternativos. O autor tem uma presença constante no Twitter/X e está disponível a falar aos meios de comunicação emergentes e informais, como os podcasts. Na sua presença online, podemos identificar dois públicos, que nas suas contradições capturam o sucesso de Palma: um mais centrista-liberal e tecnocrático, como é o caso de podcasts como o 45Graus e Despolariza; e outro mais ligado a uma direita radical, como é o caso de Miguel Milhão, um admirador do Presidente argentino Javier Milei, que entrevista figuras como Bruno Fialho do partido ADN, promove debates sobre a imigração com Afonso Gonçalves (Reconquista) e Joana Amaral Dias e dá palco ao neonazi Mário Machado.
A grande questão é como o autor consegue manter a popularidade nestes dois campos em simultâneo. A leitura de “As Causas do Atraso Português”, ajuda a entender este jogo de equilibrismo. Vistos de forma separada, o interesse por parte de cada grupo não é estranho. Os ataques difamatórios agressivos à esquerda e a interpretação do Estado Novo são apelativos para uma direita radical - que parece flutuar entre a admiração (por exemplo aqui) e frustração com as posições eleitorais do autor (por exemplo aqui). Com o invocar de um passado pré-Pombal, o regresso à glória imperial parece ao virar da esquina. Repetir o feito de um Salazar idealizado, ao quebrar o social-amiguismo encarnado pelos dois Costas, ressoa num Make Portugal Great Again. No meio disto, Palma alimenta este público com expressões como “suposto «roubo» do ouro trazido”; “as expansões ibéricas – apesar da violência que lhes esteve associada – (...) acabaram por beneficiar todos os países do mundo” e “a «direita» portuguesa tinha fortes tendências jacobinas”.
Já a facção centrista dos seus admiradores, mostra-se capaz de ignorar o tom mais estridente para se focar na legitimidade académica do economista da Universidade de Manchester, afeto a causas como a Literacia Financeira e idealizador de um capitalismo sem compadres. A rebeldia simulada de Palma, refletida nas suas ambições revisionistas [“eu estou a reescrever a história, para dizer a verdade, para a livrar da propaganda e da mentira”], vai de encontro à estética deste grupo, também emocionalmente cada vez ligado à integração europeia do que à revolução de Abril. Enquanto se tornou popular falar numa convergência de interesses entre o centrismo liberal e a extrema-direita (corporizada, por exemplo, na atuação de Emmanuel Macron nos últimos tempos em França), Palma, com as suas contradições, emana o que esta coligação poderia parecer-se em Portugal.
Diogo Ramada Curto, na sua recensão ao livro publicada no Expresso, recomendava o autor a “escolher, nos seus trabalhos futuros, entre, (...) o ofício de historiador (...) interessado em aprofundar a análise económica e (...) uma carreira como intelectual público neoliberal, que escreve livros com espírito militante e panfletário”. Ramada Curto apresenta este facto como uma clara fraqueza da obra e do autor. No entanto, saber navegar nesta intermitência intelectual, por muito que desagrade a outros académicos, pode muito bem explicar o sucesso editorial de “As Causas do Atraso Português”. Será que a intermitência estratégica entre “o ofício de historiador” e “intelectual neoliberal, escritor de livros com espírito panfletário” a fórmula para sucesso num espaço talhado pelas redes sociais? Será esta apenas um caminho disponível para a direita?
Mesmo sem o palco na imprensa que Palma desejava para poder dar uso ao seu reconhecido tom grosseiro, não o devemos esperar relegado às redes sociais. Como foi o caso do recente artigo de opinião co-escrito com Pedro Santa Clara, onde lançaram um desafio ao Governo que representaria “o maior desenvolvimento da democracia portuguesa desde o 25 de novembro”, este economista deverá continuar presente em diversos meios comunicativos. Figuras como Medina Carreira e José Gomes Ferreira vieram a encarnar a indignação popular horas sem fim, a criticar o “terceiro-mundismo” português, as negociatas e compadrio camuflado “nas mentiras do regime”, mostrar muitos gráficos para no fim apresentarem soluções vagas, com quem ninguém discorda por completo. Palma deverá apresentar este tom num registo próprio da geração em que ascendeu à política.
A República dos Pijamas agradece os valiosos comentários de Ricardo Noronha (autor do livro "A Banca do Serviço do Povo: Política e Economia durante o PREC (1974-75)", disponível online) durante a elaboração deste artigo.
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Ver por exemplos as respostas a Fernando Rosas, José Pacheco Pereira, Miguel Costa Matos e Pedro Marques.
Ao longo do livro é notório que autor nutre uma admiração por Galileu Galilei.
Mesmo que Palma afirme que “Nesse sentido, tal como este livro não tem heróis, também não tem vilões, pelo menos de forma descontextualizada” (Páginas 150-151), Marquês de Pombal é claramente o vilão da obra.
A opinião de Palma diverge da do Historiador Francisco Bethencourt.
“Segundo, de um ponto de vista comparado, é errado pensar que não existiam «Inquisições» – ou seja, perseguições religiosas, sistemáticas e organizadas, independentemente da sua motivação – em toda a Europa protestante. Existiam, como é evidente, mas eram simplesmente dirigidas contra alvos diferentes. E se, no mundo católico, as obras proibidas eram censuradas, no mundo protestante eram destruídas.” (Página 106).
Nesta parte, Palma repete várias vezes a expressão “História escrita pelos vencedores” para justificar a popularidade destas teses. O autor tem um subcapítulo apelidado de “Resistir à narrativa escrita pelos vencedores” (Página 47).
“Essa é a «História escrita pelos vencedores»: países como a Inglaterra ou os Países Baixos que, em simbiose com o seu desenvolvimento económico, criaram narrativas propagandísticas em benefício próprio. O isolamento e o atraso académico ibéricos nos últimos séculos têm sido também responsáveis pela dificuldade em restabelecer a verdade. Como tal, até aos dias de hoje, a literatura em língua inglesa continua normalmente a afirmar a excecionalidade – e superioridade – das instituições políticas inglesas para períodos anteriores ao século xvii, senão mesmo desde a Magna Carta de 1215. Assim o fizeram, nessa tradição, por exemplo, Daron Acemoglu e James A. Robinson na conhecida obra Porque Falham as Nações, onde consideram existir um maior despotismo das Coroas ibéricas relativamente à inglesa desde, pelo menos, finais da Idade Média.” (Páginas 47-48).
“não sou um historiador convencional” (Página 13).
“O problema evidente e recorrente dos que fazem este tipo de afirmações é a incapacidade de quantificar seja o que for.” (Nota de rodapé número 848 da Página 274).
O livro é omisso em análises sobre o ouro explorado por Portugal no século XV, em África, mesmo coincidindo com o período analisado no livro.
Assim apelidado para descrever o processo de desindustrialização dos Países Baixos associado à exploração de gás natural a partir da década de 1960.
O autor faz uma comparação do Portugal de então com a Venezuela contemporânea. “Para compreendermos melhor o que se passou em Espanha nos séculos xvi e xvii, e em Portugal a seguir, realizemos um exercício contrafactual e imaginemos uma Venezuela sem petróleo. Sem o ouro negro, é difícil conceber que o país tivesse hoje uma economia mais estagnada ou piores instituições políticas. É tentador atribuir o mau estado da Venezuela ao seu socialismo radical. As políticas económicas aí aplicadas são destruidoras de crescimento e estão associadas a uma ditadura que não larga o poder em benefício próprio. Mas as instituições e políticas não são explicações satisfatórias, já que se pode sempre perguntar porque seguiu a Venezuela esse caminho. Pode-se afirmar que, no cenário contrafactual, sem jazidas de petróleo, não o faria.” (Página 124).
Com contornos do que é descrito como Cameralismo por Historiadores, que Palma ignora, reforçando um falso carácter de excepcionalidade portuguesa.
O processo de secularização da sociedade francesa, que teve início antes da revolução francesa, parece ter catalisado uma transição demográfica precoce (brevemente citada por Palma) e o respectivo aumento de rendimentos, num período em que a França supera a Península Ibérica. Como mostrado em investigação existente, a secularização da sociedade e do ensino francês teve um papel positivo para o desenvolvimento industrial e económico no século XIX. Além disso, há evidências de que o protecionismo das guerras napoleónicas também teve um contributo positivo para a industrialização.
Página 159.
“Não sou, em geral, a favor do derrube de estátuas, mas não deixa de ser curioso que Pombal tenha a proeminência que tem na mais conhecida rotunda do nosso país. Essa estátua representa hoje o triunfo da propaganda sobre a verdade, mais de dois séculos depois. Não há dúvida de que as mentiras promovidas por Pombal foram eficazes, também por terem sido evidentemente úteis a regimes e narrativas que surgiram mais tarde. Assim, não surpreende a subsequente reabilitação e veneração da sua figura, não deixando de ser irónico que ainda hoje seja frequentemente visto como um grande reformador, até entre muitos historiadores incautos. Tudo culminou no mandar erguer da sua estátua, cerca de um século e meio depois da sua morte, por um regime que também se caracterizaria por uma grande divergência entre as belas intenções declaradas e a realidade conseguida a nível educativo: a Primeira República.” (Página 165).
“Finalmente, o meu pai, José Borges Palma, e o jornalista João Miguel Tavares, foram decisivos para a existência deste livro, por terem travado um combate em que saiu derrotada a minha relutância inicial em investir tempo na redação de uma obra de divulgação.” (Página 9).
Geralmente, o crescimento de um país/região afeta negativamente outras zonas que competem em setores semelhantes. Por exemplo, o ciclo de expansão económica mundial do final da década de 1990 e início dos anos 2000 - caracterizado pela abertura económica da China - pode ser classificado de “contexto internacional favorável” e afetou negativamente algumas das principais indústrias portuguesas, como o calçado e têxtil.
Entre 1951 e 1973, o PIB per capita ajustado a preços aumentou em média 3,6% ao ano em Portugal; 3,4% por ano em Espanha; e 4,8% por ano na Grécia. Consequentemente, Portugal passou de ter um PIB per capita 12% inferior ao grego em 1951 para 26% inferior em 1973. No caso espanhol passou de 27% inferior em 1951 para 24% em 1973. Dados utilizados a partir de 1951 por ser o início da série grega. Fonte: Feenstra et al. (2015), Penn World Table (2021), preços em dólares internacionais de 2011.
Portugal só converge nesta métrica a meio da década de 1990.
Página 238.
Página 253.
Numa entrevista recente, publicada no dia 4 de dezembro de 2024, no Podcast 45Graus, o autor é confrontado com a forte aceleração do número de alunos matriculados no ensino secundário logo a partir de 1975 (aqui). Palma afirma que “a democracia é obrigada a responder a essas coisas, mas também já tem as condições para o fazer” e também porque o “país estava a desperdiçar dinheiro numa guerra”.
Existe apenas uma menção aos Planos de Fomento do Estado Novo (Página 239). O autor desvaloriza abertamente o papel do investimento em infraestruturas [“Como é evidente para quem tenha lido este livro, considero que a questão das infraestruturas é secundária”] (Página 309).
Fonte: Banco Mundial, Military expenditure (% of GDP). Em 1960 Portugal tem uma despesa militar de 2,6% do PIB, ligeiramente acima de Espanha (2.3%). Nos treze anos seguintes, a média portuguesa é de 4,1% do PIB, enquanto Espanha foi de 2,1% do PIB. Portugal reduz a despesa militar no final da década de 1970, enquanto Espanha caminha no sentido inverso, ultrapassando Portugal em 1977. Durante a guerra colonial, Portugal passou a ter níveis de despesa militar comparáveis aos Gregos, que são historicamente altos.
Pedro Lains fala no “custo global das guerras em África” na década de 60 corresponderia a “8% do PIB”. Causas do colonialismo português em África, 1822-1975.
Além de Espanha, o autor também usa o caso Sul Coreano como contraste ao português. “Caso se tivesse conseguido reformar politicamente, a partir de 1945 ou de 1968, datas em que tal evolução poderia ter plausivelmente acontecido, isso teria sido melhor para o país. Uma transição pacífica para a democracia, ainda que conseguida através de protestos – como aconteceu na Coreia do Sul a partir de 1987 –, teria levado certamente a um país que hoje seria diferente e melhor” (Página 256).
“Esta despesa poderia ter sido melhor empregada na educação, ainda que seja verdade que algumas democracias, como aconteceu em França, tinham também, por volta da mesma época, escolhido manter uma política colonial até tarde” (Páginas 252-253).
O dado apresentado pelo autor para argumentar a danificação da capacidade produtiva durante o PREC é a divergência da produtividade (PIB por hora) entre Portugal e Espanha. No entanto, o PIB per capita não faz a mesma trajetória, dado que o desemprego passa a ser estruturalmente mais alto em Espanha no final da década de 1970. Juntando a isso, a Complexidade Económica ECI Legacy (1964-2017) entre Portugal e Espanha nas decadas de 1960 e 1970 segue uma trajetória estável, em que Espanha ultrapassa Portugal ainda durante o Estado Novo. Este é um tema que tentaremos regressar no futuro, com maior profundidade.
Por exemplo, Prova Oral de Fernando Alvim, a 21 de dezembro de 2023, por volta dos 19 minutos.
Por exemplo, podcast 45Graus, 4 de dezembro, por volta da 1 hora e 47 minutos.
Existem motivos para achar que o progresso dos alunos em Portugal vai estagnar (p.ex.: envelhecimento dos professores, mais alunos cuja língua materna não é o português, etc.), mas Palma não se arrisca em detalha-las.
Na entrevista na Prova Oral de Fernando Alvim, em dezembro de 2023, o autor citou os resultados da queda de Portugal no PISA em 2022. O indicador passou a ser “citável” assim que Portugal apresentou uma queda.
ECO, 1 de abril de 2024, Centeno “é um agente político” e “tem deturpado a sua função”, por volta dos 12 minutos. Curiosamente a emigração durante o Estado Novo não o levou ao mesmo exercício de reflexão por parte do autor.
Apesar da baixa literacia financeira, Portugal apresenta bons resultados, acima da média, em indicadores de atitudes financeiras e comportamentos financeiros. Ou seja, apesar de poderem não conhecer produtos financeiros sofisticados, os portugueses sabem utilizar bem o seu dinheiro. Neste caso, Palma faz exatamente aquilo que critica os seus opositores de fazerem: cita dados totais e agregados que medem o stock e não a evolução das últimas décadas. Se Portugal continua a ser um dos países da OCDE em que os adultos têm os menores níveis de educação, porque seria diferente com a literacia financeira?
Lítio tem apenas uma nota de rodapé (número 1009, Página 323): “Até devido ao problema da Maldição dos Recursos, sou, no entanto, pessimista em relação à capacidade do país utilizar as suas grandes reservas de lítio para dinamizar uma cadeia de valor até às baterias, algo que deveria estar a ser preparado.”
Nomeadamente a Roménia, Polónia e Hungria. Ver, por exemplo, os indicadores relativos à corrupção, ao estado de direito e eficácia do governo nos Governance Indicators do Banco Mundial.
Apesar de algumas regiões receberem fundos europeus.
Numa nota de rodapé (número 4, Página 331), o autor reconhece que “o Euro contribuiu para a contração do setor transacionável da economia portuguesa” mas que “convém ter em mente, no entanto, que a adoção do Euro, e os termos em que isso aconteceu, foram escolhas políticas.”
Página 308.
Página 307.
Nas suas intervenções publicas é mais fácil entender o porquê deste pensamento. Frases como “Chegámos ao início do século XXI, mais de metade da população portuguesa apenas tinha a escola primaria ou menos que a escola primária (...), essas pessoas todas votam, e do meu ponto de vista votam mal.” (45Graus, 4 de dezembro, por volta da 1 hora e 23 minutos) e “As pessoas reformadas votam em peso no PS. Foi esse o problema daqueles 700 mil votos que desapareceram em 2015 à PaF [Coligação de Pedro Passos Coelho (PSD) e Paulo Portas (CDS-PP)].”, Prova Oral de Fernando Alvim, a 21 de dezembro de 2023, por volta dos 43 minutos).
“O país não quer mudar. Alias, o país quando mudou em 2011, mudou porque a realidade o forçou a mudar. Se não, o Sócrates tinha continuado. Portanto, o país às vezes tem que ver a realidade para querer mudar”, Podcast 45Graus, por volta da uma 1 hora e 57 minutos.
Nuno Palma costumava colaborar com o Expresso, mas a certa altura ofendeu-se com uma referência na coluna Gente acerca da contratação de uma diretora para o Museu Nacional Resistência e Liberdade (Peniche) que era alinhada com o PCP e que tinha feito comentários acerca dos gulags que Nuno Palma desaprovou (e que aparentemente também foram condenados pelo Conselho Internacional dos Museus). Desde então cortou com o Expresso.