Maria da Conceição Tavares (1930-2024)
O percurso da economista luso-brasileira, nas suas vitórias e derrotas, é uma inspiração para a República dos Pijamas
No passado sábado, a economista Maria da Conceição Tavares faleceu aos 94 anos. Apesar de ser um nome relativamente desconhecido em Portugal, a economista nascida em Anadia, no dia 24 de Abril de 1930, foi uma das principais referências do debate económico brasileiro e latinoamericano do século XX.
A vida de Maria da Conceição Tavares desdobrou-se entre a academia, a formação de políticas públicas e o combate político. No plano académico, o seu livro “Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro” analisa o processo de transformação capitalista da economia brasileira no século XX, no início do período da sua industrialização.
A economista sempre foi uma feroz defensora de que a disciplina de economia devia voltar às suas origens, em que é abertamente política. O seu pensamento contradizia por completo o ensino atual, que tenta apresentar a economia como uma espécie de ciência exata, em que os equilíbrios de mercado são semelhantes às leis da natureza, onde os estudantes não precisam de se preocupar com as relações de poder entre agentes económicos (trabalhadores, consumidores, investidores, etc.). Fiel ao seu pensamento, Maria da Conceição Tavares disputou a hegemonia do ensino de economia com a criação de programas de ensino na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Estadual de Campinas, duas instituições referência no debate económico brasileiro.
Contrastando com a maioria dos académicos nos dias de hoje, a carreira da economista luso-brasileira contou com vários períodos em que trabalhou para governos e instituições públicas. Ainda antes da ditadura militar, trabalhou no “Plano de Metas” no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que consistia num conjunto de investimentos estratégicos (estradas, siderúrgicas, produção energética, a criação da nova capital em Brasília, etc.) que visavam a modernização económica do Brasil.
Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), Maria da Conceição Tavares faz parte de um grupo de intelectuais brasileiros que ruma ao Chile, durante o governo da Unidade Popular de Salvador Allende. Nesses anos, a economista trabalhava na Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e também foi assessora económica do governo de Allende. A presença de intelectuais brasileiros em solo chileno nesse período influenciou o governo nos seus planos de desenvolver uma “internet socialista” que rompesse com a dependência tecnológica face às multinacionais norte-americanas.
No período de democratização brasileira, a economista participa ativamente no processo político. Primeiro, ainda militante no PMDB - o partido da oposição consentida na ditadura e liderança do primeiro governo civil da democracia - participa no desenho do Plano Cruzado (1986), uma tentativa de combater a hiperinflação no pós-ditadura. O programa, inspirado no sucesso israelita, incluiu ferramentas como o controlo de preços, mas acabou por não ter sucesso. Anos mais tarde, Maria da Conceição Tavares filia-se ao Partido dos Trabalhadores, de Lula da Silva, onde foi deputada da oposição, durante um mandato (1995-1999). A sua intervenção fica marcada pelo combate às políticas de liberalização do governo de Fernando Henrique Cardoso, que envolveram várias privatizações, e a tentativa frustrada de introduzir um imposto sobre as grandes fortunas.
Apesar dos elogios a Lula, Maria da Conceição da Tavares nunca abdicou de criticar as derivas liberais na sua política económica e social, em especial durante o seu primeiro mandato. Hoje, a falta deste tipo de posicionamento é sentido. A coragem de fazer críticas construtivas dentro do próprio campo político é praticamente inexistente nos economistas brasileiros que apoiam Lula, reduzindo o debate intelectual a um exercício de apoio essencialmente performativo.
Talvez a forma como muitos portugueses a conheceram, Maria da Conceição Tavares teve a sua ascensão como um fenómeno pop na internet. Tornaram-se virais nas redes sociais recortes das suas entrevistas e aulas, onde crítica a hegemonia liberal e a tecnocracia. Infelizmente, os meios de comunicação portugueses e as faculdades de economia - com raras excepções - não demonstram interesse em estudar e divulgar o pensamento de uma das figuras mais importantes do debate económico no mundo lusófono. Desinteresse esse que confirma a hegemonia liberal no ensino da economia, que a ideologia e política é camuflada em supostos pareceres puramente científicos.
O percurso de Maria da Conceição Tavares está repleto de derrotas políticas, mas isso não o menoriza. A vontade constante de lutar por um Brasil mais desenvolvido, industrializado, soberano e igualitário é uma qualidade rara num mundo em que a academia está cada vez mais presa em si própria e burocratizada.
Por estes e outros motivos, a economista é uma clara inspiração para a República dos Pijamas. Trazer a economia para o campo político e participar de forma construtiva e crítica no debate dentro do nosso campo político, são alguns dos nossos princípios. Usando as sábias palavras de Maria Conceição Tavares, na pior das hipóteses, “estamos lutando apenas pra não ficar malucos.”
NOTAS
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