Las Vegas mostra que o modelo desenvolvimento português é estruturalmente desigual e precário
Estranhamente, uma rápida análise de Las Vegas tem mais utilidade para entender as dinâmicas da economia portuguesa que uma campanha eleitoral centrada em sondagens
Há umas semanas, o historiador económico Adam Tooze dedicou um episódio do seu podcast à economia de Las Vegas. Estranhamente, uma rápida análise de Las Vegas tem mais utilidade para entender as dinâmicas da economia portuguesa que uma campanha eleitoral centrada em pulsómetros e comentadores a discutir quem venceu os debates (com muitos paralelos com o comentário desportivo).
Nem sempre Las Vegas foi a versão que conhecemos via Hollywood dominada por casinos. A cidade cresceu e tornou-se uma área metropolitana atrelada a grandes investimentos em infraestruturas. Primeiro as ligações ferroviárias, seguindo-se pela Hoover Dam (umas das mais importantes barragens dos EUA) e pelo complexo militar-industrial.
Hoje, Las Vegas é essencialmente conhecida pela expansão do turismo, assente nos casinos. O legado deste tipo de economia, tal como em Portugal, é trágico, revestido na “criação de emprego”.
MUITO EMPREGO, POUCO SALÁRIO E MUITA RENDA
Las Vegas foi uma das zonas que mais sofreu com a crise financeira do subprime. Na década seguinte, a economia recuperou arrastada no setor do turismo, que gerou uma criação de emprego muito acima da média nacional.
No entanto, o crescimento total da economia é muito menos impressionante que os dados de emprego. Os empregos criados foram essencialmente em áreas de baixo valor acrescentado, normais de uma economia assente em casinos e hotéis.
No meio deste processo, Las Vegas viu a sua produtividade cair 5%, numa década. Os salários ficaram estagnados, incapaz de reduzir a pobreza.
Esta dinâmica de mais empregos de baixos salários e turistas relativamente endinheirados, cria uma crise habitacional para as classes trabalhadoras.
Este foi exatamente o mesmo processo que a Área Metropolitana de Lisboa (AML) viveu no mesmo período. Apesar da pegada menos visível do que a dos os casinos de Las Vegas, Lisboa concentrou-se no turismo. Criaram-se muitos empregos, a produtividade também caiu (fenómeno específico da AML em Portugal), ficando para trás das principais cidades do sul da Europa.
Este modelo de desenvolvimento tornou a habitação em Lisboa tão ou mais cara que cidades europeias com maiores níveis salariais.
Os baixos salários e rendas altas são uma dinâmica inerente à turistificação da economia. Quer seja nos casinos de Las Vegas ou na economia dos grandes eventos e dos nómadas digitais de Lisboa.
Nesta eleição, a comunicação social dominante discute todos os problemas à superfície. Contrariando o papel que deveria de ter, nada fez para se debater os reais mecanismos dos problemas com que Portugal vive. Assim sendo, um curto podcast sobre Las Vegas acaba por ser mais útil para pensar o futuro de Portugal.
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