A Segunda Crise de Lisboa: Uma metrópole fragilizada | Ana Drago (Coordenação), Observatório sobre Crises e Alternativas | Síntese e Crítica
A Segunda Crise de Lisboa descreve o longo processo que tornou a Área Metropolitana de Lisboa numa economia assente no turismo e suas consequências sociais
O Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra lançou no final do ano passado o livro ‘A Segunda Crise de Lisboa - Uma Metrópole Fragilizada Segunda’, onde doze autores refletem sobre os atuais desafios da Área Metropolitana de Lisboa. É um livro de leitura obrigatória para quem quer entender as causas por detrás do atual modelo económico da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e as suas consequências sociais.
IDEIAS CHAVE
A viragem de Lisboa para uma economia baseada no turismo não foi apenas resultado das políticas da última década mas parte de um longo e turbulento processo de integração europeia. Nas décadas anteriores à crise financeira, Portugal passou a ter acesso a crédito relativamente barato, que contribuiu para a desindustrialização, passando a endividar-se para expandir sectores não exportáveis (construção e imobiliário). A habitação, em especial as segundas casas, são um componente chave desta trajetória. Com a crise financeira, dentro do quadro do Euro (na ausência de cambio próprio), os desequilíbrios regionais manifestaram-se nos mercados de dívida. De forma a reposicionar-se na economia global – Portugal e as restantes economias periféricas – são forçadas a especializar-se em turismo dentro da cadeia de valor da zona euro (e em serviços de baixo valor como call centers e back offices). Com isso, Portugal iniciou um modelo económico focado na redução dos custos com o trabalho (em economês, desvalorização interna) e de venda de ativos a estrangeiros, diretamente em privatizações e negócios para vistos gold, e indiretamente através da airbnbzação da economia.
Os efeitos acima descritos são sentidos com maior intensidade na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e geram duas dinâmicas aparentemente contraintuitivas. A metrópole gera mais empregos, a população cresce, mas a trajetória de salários e produtividade é pior que a do resto do país.
Na AML, os salários no sector privado cresceram menos que no resto do país em todos os sectores. Antes da leitura, pensava que a queda de produtividade e salários eram causadas maioritariamente por um aumento do peso do turismo na economia da AML, mas a situação já é bem pior. Em parte devido a deslocalização de funções bem pagas para outras cidades europeias.
A expansão de crédito do pré-crise e crise financeira promoveram um processo de suburbanização da AML, sem criar dinamismos próprios nessas áreas (dormitórios). Ou seja, apenas pioram a vida das pessoas através de deslocações mais longas e caras para o centro de Lisboa.
Deixou de existir um mercado único de habitação na AML. O investimento estrangeiro tornou o mercado de habitação dual, ou mesmo global – imóveis comprados por investidores estrangeiros são 60% mais caros. Expandir a oferta neste mercado não vai fazer nada para a população trabalhadora.
PONTOS MENOS EXPLORADOS
A neutralidade carbónica, e a sua relação com o modelo económico da AML e os desequilíbrios macroeconómicos de Portugal não são explorados o suficiente ao longo do livro. O que é compreensível num livro escrito a várias mãos.
Um modelo económico baseado em estadias de turismo curto, através de voos baratos, é altamente vulnerável a qualquer esforço de descarbonização da economia mundial. A suburbanização observada na AML, através da maior dependência do carro, contribui para o desequilíbrio externo português (mais petróleo e carros importados, e mais carbono). Planeamento económico a nível metropolitana através da i) da oferta de transportes públicos baratos, ii) e da densificação de áreas urbanas com bons transportes, com a criação de um parque habitacional público, deve ser vistas como uma política implícita de substituição de importações.
Justiça seja feita, Ana Drago tocou em vários destes pontos na entrevista que deu para a edição nº 4 da revista Shifter, cujo entrevistador foi o autor deste texto.
Sucessivos governos têm tentado atrair multinacionais para operarem serviços de suporte na AML (call centers, mediação de conteúdos, back offices), etc. A total airbnbzação da economia, ao tornar a cidade muito mais cara, acabará por destruir a vantagem competitiva (baixos custos no contexto europeu) que os governos tentam explorar (lógica de Dutch Disease). Por esse motivos, políticas para combater a crise da habitação (também) são medidas mínimas para promover atividades produtivas que não sejam o turismo, ou qualquer tipo de inovação. Caso contrário, a AML continuará num ciclo de tentar criar novos segmentos de turismo, onde os nómadas digitais são a última moda.
O livro teria sido uma boa oportunidade para discutir as potencialidades e limites da regionalização para resolver estes problemas.
Uma questão que fica em aberto: Quanto é que cidades como Braga e Aveiro têm vindo a beneficiar da crise na capital. Mesmo que este seja o caso, seria ingênuo achar que a dinâmica de airbnbzação de Lisboa seja benéfica exclusivamente (ou até maioritariamente) para as cidades portuguesas. Os riscos de deslocalização para cidades como Madrid, Paris ou Milão devem ser levados a sério.
NOTAS
Os autores do livro são (por ordem dos capítulos): Ana Drago; José Reis; José Castro Caldas; João Ramos de Almeida; Ana Cordeiro Santos; Nuno Teles; Catarina Frade; Raquel Ribeiro; Simone Tulumello; Luis Mendes; Nuno Grande; Renato Miguel do Carmo.
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