Os Pijamas

Ainda na ressaca do PREC, o então governador do Banco de Portugal e ex-ministro dos governos provisórios, José da Silva Lopes, disse que “Portugal não é uma República das Bananas, mas uma República dos Pijamas”. O governador referia-se à forte dependência da economia portuguesa ao sector têxtil. Esses tempos já lá vão, hoje a dependência é do turismo, mas a frase mantém uma certa atualidade.

Passaram-se quase 50 anos. As assembleias populares desapareceram, os militares regressaram aos quartéis, inserida na União Europeia, a democracia liberal portuguesa consolidou-se. As velhas dinastias capitalistas nacionais regressaram, e novas surgiram. Portugal libertou-se do trabalho infantil nas fábricas e criou um Estado Social. E foi, por três vezes, intervencionado pelo Fundo Monetário Internacional  em que implementou as ditas “reformas estruturais”, que significam o empobrecimento e reforço do estatuto de economia periférica.

Neste processo, o país desindustrializou-se precocemente e perdeu parte da sua  soberania a troco dos milhões de contos em fundos europeus e crédito barato. Quando a promessa da convergência com o norte da Europa não chegou, o país voltou a exportar mão de obra jovem; desta vez qualificada e barata para os padrões do norte da Europa. Chamam-lhe emigração.

Presos nesta armadilha, o turismo e os call centers passaram a ser o motor económico do país, apesar das promessas efémeras de que os nómadas digitais trarão unicórnios tecnológicos por arrasto. Um modelo que cria muitos empregos cujos salários são demasiado baixos para sobreviver num mercado de habitação cada vez mais selvagem.

Fora dos centros urbanos, sem autoridade dos órgãos públicos, o território nacional é gerido por interesses privados. Assim, os recursos naturais são explorados ao bel-prazer das grandes empresas, comprometendo a sua viabilidade futura, quer com campos de golfe, milhares de hectares de eucaliptal e uma agricultura sobre-exploradora recursos hídricos e migrantes.

O desinvestimento crónico que temos visto na escola, na saúde e nos transportes públicos cria um descontentamento popular que a direita tenta capitalizar e alinhar com as suas agendas de borlas fiscais, rendas do estado e desregulação. Surgiram novos partidos de direita, diferentes na sua estética e retórica, mas que defendem exatamente os grandes interesses económicos do costume. No fundo, são uma continuação camuflada do projeto político-ideológico do último governo da direita em Portugal.

O objetivo é claro e a sua estratégia simples: descredibilizar e fragilizar ainda mais  o Estado Social, deslegitimá-lo junto da população, para se avançar mais cedo ou mais tarde com as suas privatizações. Como se viu com a PT, EDP, REN, ANA ou CTT, as privatizações não são nada mais do que a entrega de  rendas milionárias garantidas pelo Estado a oligarcas nacionais e estrangeiros. 

As carreiras congeladas dos profissionais e subcontratação crónica servem para esvaziar o sector público de profissionais, alimentando os recursos do privado. Fazem–no enquanto nos dizem à exaustão que “o público funciona mal, é no privado que há boa gestão”, até esse dogma se tornar senso comum.

Há anos que esta narrativa é reforçada por uma reorganização ideológica da direita portuguesa, cada vez mais dominante fora do parlamento. Começou nas universidades, ganhou força em centros de investigação, conquistou espaço na comunicação social e fortaleceu-se com fundações e think tanks financiados por milionários. Hoje, aproveitando a fraca memória dos tempos da troika nas camadas mais jovens, a direita tenta tornar a geração que agora se torna adulta numa base de apoio.

Esta ofensiva também é alimentada pela social-democracia que capitulou face ao neoliberalismo, com as vitórias à esquerda terem-se limitado a travões temporários às políticas que promovem enormes desigualdades sociais e perda de soberania. 

É neste cenário que encontramos Portugal. Submetido às amarras que a Troika deixou, sem política económica e com uma elite apenas interessada em aprofundar o atual modelo. Não só não existem ferramentas políticas para superar os desafios das últimas décadas, como também não se vislumbra a construção de um projeto que faça frente aos problemas que surgem. 

O enfraquecimento da Europa, cada vez mais dependente dos EUA e crescentemente desafiada por potências emergentes, pode baralhar a política no Espaço Comum Europeu. As alterações climáticas não só implicam uma adaptação rápida da forma como produzimos e consumimos energia, como também colocam riscos sérios às condições do território nacional, em especial na gestão de água e produção de alimentos. As tensões geopolíticas, em especial no leste da Europa e no estreito de Taiwan, ameaçam trazer convulsões socioeconómicas impossíveis de resolver por uma classe política cuja primeira vocação é promover o turismo.

Em paralelo, a força do internacionalismo na esquerda vai-se desvanecendo. As opções políticas da UE são aceites com cada vez menos reticências, e novas propostas políticas à esquerda têm dificuldade em ir além do importado dos meios anglo-saxónicos. Por isso, urge olhar para outras respostas ao neoliberalismo e ao capitalismo, em especial para as forças à esquerda de países fora do círculo dos mais ricos, onde apesar do contextos difíceis, surgem avanços inspiradores.

Assim surge a newsletter República dos Pijamas. Estamos na contracorrente do economês sem contraditório. Uma mentira publicada e repetida mil vezes não se transforma em verdade, mas influencia mentalidades, transforma preconceitos ideológicos em senso comum e tem consequências profundas nas opções políticas. Além de combater a agenda propagandística à direita, procuramos também participar na construção de agendas político-económicas à esquerda.

É este o nosso combate, é nesta contracorrente que a newsletter República dos Pijamas se posiciona. Os Pijamas são autodidatas de Economia, escrevem-na à margem das suas rotinas laborais, vêm de fora dos círculos académicos e não descuram o conhecimento produzido por eles, mas também não ignoram o peso da ideologia dominante nestes. Não ignoram os acontecimentos do dia a dia, mas o seu olhar não está focado neles. Privilegiam a análise de padrões e tendências que moldam a nossa vida coletiva, mesmo quando não são facilmente identificáveis. E distanciam-se do modelo de sociedade em que tudo é mercadoria ou carreira, de promoção de persona pública.

A identidade dos  Pijamas não é secreta, mas discreta.  Em primeiro lugar, pomos no centro a voz coletiva. Os textos têm sempre um autor principal, no entanto, o rumo que seguimos é deliberado em conjunto e a colaboração para a escrita é frequente. Em segundo, pensamos na República dos Pijamas como um projeto em que as personagens principais são os nossos textos. Em contracorrente com a obsessão de promover personalidades individuais, pomos o destaque no que publicamos e evitamos que as nossas personalidades o ofusque. Em terceiro, procuramos evitar que a exposição dos nossos nomes obstrua a construção dos nossos textos.

Podes ler aqui o nosso balanço dos primeiros seis meses da República dos Pijamas:


Pensar, escrever, editar e publicar demora tempo e exige sacrifícios. Nós, os Pijamas, fazemo-lo à margem das nossas rotinas laborais, sem receber por isso. Fazemo-lo por serviço público e, sobretudo, para desconstruir a narrativa do economês dominante e reflectir sobre caminhos alternativos para a nossa vida colectiva. 

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