Os Britânicos continuam a pagar o preço do desmantelamento da British Rail
A história da British Rail é um autêntico guião do capitalismo britânico do pós-guerra.
British Rail, 2022 | Christian Wolmar | Revisão literária
A pandemia e a popularização do trabalho remoto colocaram vários sectores sob pressão. A ferrovia foi um deles, em especial no Reino Unido, onde o sector está principalmente na mão de privados desde o início da década de 1990.
A situação dos comboios britânicos tem paralelos com a banca durante a crise financeira: depois de décadas de lucros e distribuição de dividendos, o Estado acabava por intervir no sector, num híbrido de nacionalização e ajudas estatais (sem grandes exigências) para garantir serviços mínimos.
Foi neste contexto que Christian Wolmar, autor de vários livros sobre a ferrovia britânica, escreveu British Rail, publicado em 2022. Mesmo antes da pandemia, os méritos da privatização e do desmembramento da British Rail já eram debatidos pela sociedade britânica. A maioria dos britânicos são favoráveis à nacionalização do sector, apesar da forte mobilização dos meios dominantes contra este projeto político. O falhanço material da privatização é tal que, 25 anos depois, sucessivos governos conservadores tiveram de nacionalizar alguns dos principais operadores privados, de forma a evitar o colapso deste serviço essencial. Ironia do destino, a versão livro de bolso de British Rail coincidiu com a nacionalização forçada da Transpennine Express, por parte do executivo conservador de Rishi Sunak, por causa da fraca qualidade do serviço.
A realidade tem colocado os apologistas do modelo privado totalmente na defensiva. Confrontados com o colapso da ferrovia, os defensores e responsáveis políticos do modelo privado são forçados a usar duas táticas de último recurso: culpar os trabalhadores do setor e tentar ressuscitar fantasmas em torno da antiga British Rail. Rapidamente, os ferroviários passaram de heróis da pandemia de covid-19 para grupo de trabalhadores gananciosos, liderados por Mick Lynch, um suposto radical marxista sem escrúpulos.
O mito urbano da suposta falta de qualidade das sandes vendidas pela British Rail a bordo, como se isso fosse a sua linha de negócio, voltou ao debate público pelas mãos de um ministro dos Transportes para defender o modelo privado.
Ao longo de 347 páginas, Wolmar analisa as causas por detrás da nacionalização do sector, os seus constrangimentos políticos e económicos. O autor narra os sucessos, inovações e fracassos desta empresa pública no seu quase meio século de existência. O livro resume a história da British Rail em três períodos: a sua criação no pós-guerra, a democratização do automóvel e a sua privatização durante o ressurgimento do comboio.
NASCIDA NOS ESCOMBROS DA GUERRA
Em oposição a vários países desenvolvidos, o Reino Unido nunca tinha tido uma empresa pública de comboios até 1948. O desenvolvimento dos caminhos de ferro, um pilar da revolução industrial, foi um processo bastante descentralizado. O sector passou por um período de expansão, com competição agressiva entre empresas, e bolhas à mistura. Como é comum no capitalismo, depois da exuberância veio a consolidação. O sector ficou concentrado na mão de quatro grandes grupos económicos, até o político trabalhista Clement Atlee chegar a Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro
O autor alega que a nacionalização da ferrovia não faz parte das medidas mais radicais do Partido Trabalhista no pós-guerra. Ao contrário da criação do NHS, ou da construção de milhões de habitações públicas, a criação da British Rail é-nos apresentada como resposta para garantir a sobrevivência de um setor totalmente enfraquecido, e não parte de um certo reformismo de esquerda característico do pós-guerra. O estado da ferrovia era resultado de uma combinação de danos diretos e uso excessivo durante a guerra; e falta de investimento e manutenção. Esta combinação fez com que a qualidade do transporte ferroviário tivesse retrocedido décadas. Em 1950, apenas uma linha (Londres-Brighton) tinha um serviço mais rápido que no pré-guerra. Uma viagem entre Londres e Glasgow era 110 minutos mais lenta que em 1938.
Na sua primeira década, a British Rail teve uma gestão caracterizada pela manutenção dos serviços existentes, focando-se na provisão de um serviço universal e barato, sem uma estratégia de modernização a médio-longo prazo. Wolmar apresenta um conjunto de fatores que explicam este período de relativa inércia. Não surpreendente, visto que está em causa a gestão de longo prazo de uma infraestrutura estratégica para a capacidade produtiva de uma nação, estes fatores fora essencialmente político-económicos.
Primeiro, nas décadas de 1940 e 1950, o carro ainda não era um meio de transporte usado pela classe trabalhadora britânica e o país ainda vivia um longo período de racionamento de petróleo. Por causa desses constrangimentos, os governos olhavam para a ferrovia como serviço público básico que tinha de ser barato e ter um nível de cobertura abrangente. Com a ausência de um subsídio do Estado substancial (para cobrir mais que os seus serviços básicos, o que na prática é um contrato de serviço público), a British Rail não tinha a capacidade de investir na sua modernização, o que seria uma forma de reduzir custos operacionais e melhorar a qualidade de serviço.
Por fim, existe um equilíbrio político-institucional que, segundo Wolmar, funcionou, mesmo que indiretamente como força de bloqueio para a ferrovia britânica. Do ponto de vista da organização interna, a British Rail, a empresa nacionalizada, herdou a estrutura privada anterior, baseada em quatro grupos privados regionais em competição entre si. Esta estrutura criou vários conflitos entre as sucursais regionais da empresa recém-nacionalizada e impediu o planeamento e a gestão estratégica da rede como um todo.
Externos mas afetos a British Rail, o autor alega que o peso político e económico do sector do carvão (também nacionalizado, que tinha os caminhos de ferro com um grande cliente) e os receios por parte dos sindicatos ferroviários em torno da modernização (colocasse em causa um número substancial de empregos) não promoveram uma cultura de modernização e investimento - usando o léxico de Mariana Mazzucato, economista que reabilitou a capacidade do Estado como empreendedor, criar um (sector Empresarial do) Estado Empreendedor.
A ASCENSÃO DO CAPITAL RODOVIÁRIO E BEECHING MÃOS DE TESOURA
Os anos 1960 foram marcados por uma viragem de paradigma na política de transporte em geral e na gestão da British Rail. O relativo imobilismo pouco inovador foi trocado por uma política abertamente hostil ao comboio.
Ninguém personifica melhor este período que Richard Beeching, administrador da British Rail na primeira década dos anos 1960. Por uns, visto como o maior vilão da história caminho de ferro Britânico, por outros, um tecnocrata que fez o necessário para salvar a British Rail do colapso financeiro.
Wolmar, feroz crítico de Beeching, não cai na tentação de resumir os ataques à ferrovia na vontade individual de um burocrata. A simples demonização de Beeching acabaria por camuflar a conjunção de interesses emergentes nos anos 1960.
O Capital Rodoviário reduziu drasticamente a influência de sectores como o carvão e o sindicalismo ferroviário na política de transportes. Marples, ministro dos Transportes que nomeou Beeching, sintetizava a mudança no equilíbrio de forças na perfeição. O ministro era fundador de uma empresa de engenharia responsável pela construção de algumas das principais estradas do pós-guerra. Os seus opositores acusavam-no de usar o seu cargo para beneficiar financeiramente. Estes ataques não fizeram com que Marples disfarçasse a sua visão política, onde o carro seria o veículo do futuro.
O crescimento económico do pós-guerra é caracterizado por mudanças significativas na forma como a sociedade se organiza. A democratização do carro, aliada ao investimento público massivo em estradas gratuitas e a um novo modelo de planeamento urbano, promoveu a suburbanização. Assim, a British Rail começa a ser apresentada como empresa que gere um modo de transporte ultrapassado, e que se tinha tornado num sorvedouro de dinheiro dos contribuintes; uma nova narrativa drasticamente diferente dos seus primeiros anos, onde a British Rail era vista como fornecedora de um serviço público essencial.
É dentro deste contexto que Beeching, administrador da empresa pública, apresenta The Reshaping of British Railways, em 1960. O documento propõe eliminar mais de metade das estações e um terço das linhas para reduzir o subsídio do governo a British Rail. Numa tentativa de pacificar a população, o governo substituiu o transporte ferroviário por autocarros subsidiados, tendo na sua maioria sido extintos em poucos anos. Esta tática de pioria marginal, de forma a não criar uma forte mobilização pública, tem pontos em comum com cortes de serviços públicos mundo afora.
Beeching foi o arquiteto dos cortes, mas o autor relembra que este é sempre um processo político, e por isso seria impossível de realizar sem o aval do governo conservador. Wolmar também mostra que se o único objetivo de Beeching era a sustentabilidade financeira, então reduzir os custos operacionais do caminho de ferro teria envolvido um plano de modernização sério, de forma a criar eficiências e aumentar o número de usuários através da eletrificação de várias linhas.
A gestão Beeching representa, acima de tudo, um projecto político-ideológico em que o automóvel era o veículo do progresso. A ideologia da superioridade automóvel era tal que a proposta de substituir as linhas de comboio por autoestradas para autocarros (que iriam atingir altas velocidades) era debatida com um aparente nível de seriedade, mesmo não tendo qualquer viabilidade do ponto de vista técnico. É difícil não ver semelhanças entre esta proposta e as tentativas de Elon Musk em sabotar o avanço do transporte público com a promessa de alternativas supostamente disruptivas, sem qualquer eficácia comprovada.
A sede por reduzir a rede ferroviária abrandou mas não morreu no pós Beeching-Marples. Em 1965, cinco anos depois do primeiro relatório e a poucos meses do final do seu mandato na British Rail, Beeching publicou mais uma proposta de cortes. O governo Trabalhista de Harold Wilson, altamente crítico do relatório de Beechings quando estava na oposição, acabou por levar a cabo grande parte das recomendações do relatório. Ainda assim, o autor vê uma mudança na política do executivo de Wilson. Barbara Castle, ministra de Wilson e a primeira mulher com a pasta dos transportes, talvez seja a única personagem apresentada como uma corajosa amiga da ferrovia.
Barbara Castle entendeu que o automóvel estava a transformar a sociedade britânica e não tentou remar contra a maré. Por um lado, a ministra levou a cabo uma série de regulações rodoviárias (limites de velocidade e álcool, obrigatoriedade do cinto de segurança) para tornar as estradas mais seguras e, indiretamente, o transporte público mais competitivo. Por outro lado, Castle entendeu que a British Rail era apenas uma peça num sistema de mobilidade altamente complexo, que incluía outros modos de transporte, em especial nas áreas metropolitanas. O maior legado da ministra talvez seja a criação de autoridades de transportes integrados metropolitanos (Passenger Transport Executive), uma das poucas iniciativas de descentralização de competências por parte do Estado britânico.
Através destas organizações, os governos municipais tinham o poder para integrar diferentes modos de transporte público (metro, autocarros e comboios) e regular preços. Poderes que mais tarde foram usados pelos autarcas trabalhistas mais radicais no combate ao Thatcherismo.
Mesmo com uma administração trabalhista mais propensa a gastos públicos, a pressão para reduzir o subsídio público da British Rail continuou. A margem de manobra para reduzir custos operacionais através de mais cortes de linhas era mínima. Depois de Beeching, era difícil encontrar linhas vistas como relativamente supérfluas e politicamente aceitáveis de suprimir. Assim sendo, a British Rail viu-se forçada a encontrar novas formas de poupar dinheiro. Os bilhetes baratos, um dos pilares institucionais da British Rail nas suas primeiras décadas, começaram a ser postos em causa, com o argumento de que os comboios deixaram de ser o meio de transporte das classes populares. Argumento esse, que segundo Wolmar, é de veracidade bastante duvidosa, apesar de ainda hoje dominar a discussão pública. Ademais, a redução de custos começou a alastrar para áreas como o número de funcionários nas estações e a capacidade das linhas existentes.
A falta de independência da British Rail face ao poder político tornou-se evidente no pós-Beechings, pelo menos por dois motivos. O primeiro motivo é essencialmente uma questão de aparência. Anteriormente, os governos podiam facilmente responsabilizar Beeching, um tecnocrata todo poderoso que tomava medidas impopulares. Segundo, num período de cortes mais contidos e selectivos, é fácil identificar motivações eleitorais nas decisões estratégicas que são impostas à British Rail.
O exemplo mais claro de interferência talvez seja o fecho da linha Oxford-Cambridge em 1969, enquanto uma linha rural no interior de Gales - que passava por seis marginal seats foi mantida. A ligação ferroviária entre Oxford e Cambridge era de tal forma importante que nunca esteve na mira do machado Beeching. A decisão era um contrassenso do ponto de vista do planeamento económico: enquanto a British Rail, um braço do Estado britânico, suprimiu a linha, outra parte do Estado planeava uma cidade de raiz (Milton Keynes) entre Oxford e Cambridge. O falhanço é tal que o atual governo considera investir cinco mil milhões de libras na reabertura deste trajecto para ligar Oxford-Milton Keynes-Cambridge, três dos principais polos tecnológicos do país.
Por fim, o ciclo de “declínio controlado’’ da British Rail só teve uma trégua no final da década de 1970. Os choques do petróleo (1973 e 1979) puseram em causa a utopia automóvel dos anos 1960. Gasolina cara e o crescente trânsito nas cidades - aliadas e novas metodologias de cálculo de benefícios públicos - sinalizaram uma nova etapa para a British Rail.
DESMEMBRADA NO SEU PERÍODO DE OURO
Em 1979, Margaret Thatcher foi eleita para o seu primeiro mandato. Wolmar mostra que a administração da British Rail preparava-se antecipadamente para uma eventual guerra com o governo, que vocalmente era contra a mão visível do Estado na economia.
A empresa encomendou um estudo que mostrou que o nível de subsídio público e os salários da British Rail eram relativamente baixos, quando comparados com os seus congéneres europeus. À primeira vista, o relatório cumpriu o seu objetivo. Foi bem recebido pelo Financial Times, um dos meios dominantes do pensamento liberal, e os executivos de Thatcher não atacaram diretamente a empresa.
A relativa paz com o governo foi um motivo de surpresa. A British Rail era o alvo perfeito para o neoliberalismo emergente de Thatcher: uma empresa pública cronicamente deficitária. Thatcher tinha nomeado para a pasta dos transportes Nicholas Ridley, o mais neoliberal dos neoliberais. Ridley era frequentemente apresentado como o gémeo ideológico de Thatcher.
Ele foi o arquiteto do plano dos conservadores para derrotar o sindicato dos mineiros e privatizou os autocarros urbanos. No entanto, Thatcher bloqueou qualquer tentativa para se alienar a British Rail, alegando que seria o ‘momento Waterloo’ de seu governo.
Infelizmente, os motivos pelos quais Thatcher se opôs à privatização da British Rail não são suficientemente desenvolvidos por Wolmar. A primeira -ministra entendeu perfeitamente que o seu projeto político neoliberal, e antipopular, ia ser combatido por sectores da sociedade. A aparente trégua com os ferroviários apenas fez parte de uma estratégia de selecionar os inimigos certos a estrangular, como o sindicato dos mineiros e os governos municipais de esquerda. Poupar a British Rail fez parte da mesma estratégia que Thatcher tinha usado na campanha eleitoral, quando afirmou que o NHS estaria seguro nas suas mãos e quando aumentou os funcionários públicos acima da inflação, no seu primeiro ano de governo. Thatcher entendeu que o carinho do público pela empresa de comboios colocaria em risco o seu projeto de privatizações em massa.
Contudo, o autor relembra que, por detrás desta postura, existiu um plano de privatização gradual e camuflado. O governo começou por forçar a empresa a vender, ou a competir com privados, em partes do seu negócio fora menos visíveis do público, ou vistas como secundárias. Estas iam das oficinas e engenharia até aos hotéis e restaurantes dentro das estações. Ainda que sem quaisquer meios para parar este projeto político-ideológico, a British Rail conseguiu humilhar o executivo de Thatcher neste processo de privatização encoberta, numa combinação de erros estratégicos do executivo e competência da empresa.
A venda apressada da parte de engenharia e oficinas levou a que o governo tenha vendido este ativo por menos de um quinto do seu valor, num processo apenas com dois interessados na compra. A terceirização das refeições a bordo foi um autêntico desastre (tal como na CP, onde a qualidade do serviço foi posta em causa porque os trabalhadores terceirizados dos bares não têm os salários em dia), talvez venha daí o mito urbano das sandes de baixa qualidade.
Provavelmente a maior humilhação tenha vindo da divisão de catering da British Rail, que competia com empresas privadas na venda de comida dentro das estações. Quando a British Rail foi forçada pelo governo a abrir um leilão para mais de 100 lojas nas suas estações, uma das suas sucursais de catering ganhou mais de dois terços dos leilões. Derrotado pela eficiência da gestão pública, e em modo de controlo de danos reputacionais, o executivo de Thatcher suspendeu o leilão e forçou a privatização imediata da empresa.
Mesmo com o desmembramento das suas unidades de negócio, a técnica de privatização da British Rail não seguiu o guião que Noam Chomsky, linguista e ativista norte-americano, resumiu na perfeição com a frase: “corte o dinheiro, certifique-se de que as coisas não funcionam, de que as pessoas fiquem zangadas, então entregue ao capital privado”.
Nas décadas de 1980 e 1990, a British Rail abandonou finalmente o modelo de gestão regional, herdado das empresas privadas nacionalizadas, e começou a dividir-se em linhas de negócio (regionais, intercidades, suburbanas, etc). Este modelo, chefiado por Robert Reid, deu maior clareza sobre quais as operações auto suficientes do ponto de vista financeiro, e quais os serviços que precisavam de ser subsidiados pelo governo em regime de contrato de serviço público.
Aliado ao crescimento do mercado financeiro na City de Londres, onde os comboios suburbanos da capital passaram a ter um papel fundamental, a empresa reverteu a tendência de declínio gradual das décadas anteriores e modernizou algumas das linhas mais usadas do país. O serviço prestado em 1994 ainda era visto por alguns especialistas como um dos melhores da ferrovia.
As profundas mudanças deste período, argumenta Wolmar no último capítulo, fizeram da British Rail vítima do seu próprio sucesso. A empresa pública tornou-se tão integrada, organizada e eficiente, com uma clara distinção entre serviços lucrativos e deficitários, que a sua privatização em tranches tornou-se uma operação fácil, tanto do ponto de vista operacional como financeiro.
John Major, sucessor de Thatcher, ganhou as eleições legislativas em 1992 de forma surpreendente. Meses mais tarde o seu governo sofreu um golpe irreversível na sua popularidade com a “Quarta-Feira Negra” - um momento com semelhanças ao governo de 49 dias de Liz Truss. Foram nesses cinco anos, sem quaisquer expectativas de serem reeleitos, que os Conservadores decidiram privatizar a popular British Rail.
Wolmar argumenta que a privatização foi essencialmente uma forma de tentar esvaziar os sindicatos bem organizados, depois de anos de sucessivos ataques de Thatcher contra o movimento sindical. Um quarto de século de privatização tornou evidente que esta foi uma forma de entregar ativos estratégicos ao capital privado, garantindo lucros com baixíssimo risco associado.
Nada é mais revelador do total falhanço da privatização que a autobiografia do seu responsável político, John Major. Na sua autobiografia de 900 páginas, publicada uma década depois de sair do cargo, a privatização da British Rail praticamente não é mencionada. O antigo -primeiro-ministro parece, no mínimo, pouco orgulhoso e defensivo sobre o seu legado. Quando questionado sobre o assunto, Major afirmou que a decisão nunca foi ideológica, ao mesmo tempo que alegou que a lógica em torno da privatização era “a melhoria do serviço através de uma gestão privada” - uma afirmação bem ideológica.
Os sucessos e fracassos da British Rail não são um nicho intelectual para os entusiastas dos comboios. Os processos políticos da sua criação, gestão e privatização deixaram marcas na sociedade britânica e no seu desenvolvimento socioeconómico. A frustração do público britânico com a ferrovia privada tem sido brilhantemente capturada por Mick Lynch. Em última instância, o quase meio século da British Rail mostra como os interesses do capital privados, quando triunfantes, moldam por completo a forma como nos organizamos e deslocamos.
NOTA
Este texto faz parte de uma série de reflexões que partem da leitura do livro British Rail, que serão publicados nos próximos meses.
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