O amigo da ferrovia, inimigo da CP
A Iniciativa Liberal sugere liberalizar (mais) o mercado ferroviário, colocando a CP numa posição de desigualdade
A Iniciativa Liberal (IL), ao contrário do PSD, apresenta-se uma face mais amigável à ferrovia. Defende a alta velocidade e ligar todas as capitais de distrito a Lisboa ou Porto, através de um investimento de 0.5% do PIB por ano.
Contudo, não devemos confundir essas posições com a defesa do atual modelo, dominado pela CP. Felizmente, Rui Rocha não nos deixa pairar tais dúvidas. Sempre que tem uma oportunidade, o líder da IL usa o mantra de culpar os sindicatos pelo estado da ferrovia.
Há uns meses sugeriu que os usuários deveriam ter poder de decisão sobre os serviços mínimos e defendeu a devolução do valor dos passes em dias de greve, são parte dessa tática.
Como foi apontado por Vicente Ferreira, Rui Rocha usou uma greve das Infraestruturas de Portugal para um acto performativo contra a CP - onde sugeriu implicitamente que a greve era desta empresa - e defendeu a introdução da concorrência privada à CP.
Segundo o líder liberal, “o transporte ferroviário só pode melhorar se forem criadas condições para haver concorrência à CP.” Uma das coisas teria melhorado o transporte ferroviário era o Estado ter cumprido com os contratos que tinha com a CP, como faz com a Fertagus, e não ter deixado a empresa indevidamente endividada durante anos.
O argumento de Rui Rocha pode dar a entender que o Estado proíbe a concorrência ferroviária, mas não é bem assim. A ferrovia europeia está num processo de liberalização. Existem empresas interessadas em operar os serviços mais lucrativos de Portugal, como o Alfa Pendular e no eventual TGV. Parece que o real constrangimento a concorrência está na congestão das linhas.
O que a Iniciativa Liberal defende não é ter mais comboios a concorrer com a CP, aumentando a oferta, mas substituir alguns dos serviços existentes da CP por PPPs. Assumir que a CP, empresa que foi incapacitada de investir devido ao fardo da sua “dívida histórica” (recentemente limpa), estaria em pé de igualdade neste modelo é delirante. Apenas uma forma de enfraquecer ainda mais esta empresa.
Se usarmos o caso britânico como referência (não exatamente igual, mas com algumas parecenças ao que a IL propõe), provavelmente algumas dessas PPPs seriam entre o Estado portugues e empresas públicas estrangeiras como a Renfe ou a Deutsche Bahn. Uma situação com paralelos com a privatização da EDP, que hoje faz parte da China Three Gorges, empresa estatal chinesa.
O histórico deste tipo de parceria em Portugal, com empresas como a ANA ou a Brisa, deve deixar qualquer um apreensivo.
No podcast Perguntar Não Ofende, Mário Nogueira afirmou, por outras palavras, que Maria de Lurdes Rodrigues gostava da escola pública mas não gostava dos professores. Usando a mesma lógica, podemos dizer que Rui Rocha gosta da ferrovia, mas não gosta da CP.
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