Ativistas climáticos mostram que extrema direita tem uma militância de vidro
À luz dos acontecimentos na FCSH torna-se clara a assimetria entre a pujança do ativismo à esquerda e a extrema-direita, ascendente nas urnas, mas incapaz de mobilizar.
Apesar do possível exagero das recentes sondagens, o Chega deverá manter-se como o terceiro partido no Parlamento português, talvez expandindo a votação. A possibilidade do partido de extrema-direita fazer parte de uma solução governamental é real.
Um aspecto particular desta ascensão é a popularidade da (extrema) direita entre os que agora iniciam a vida adulta, ou melhor dito, a não impopularidade entre os mais jovens. Como explorado num artigo de João Cancela e Pedro Magalhães (aqui), a tendência era a direita (CDS+PSD) captar mais votos nas camadas mais velhas. O BE chegou, por várias vezes, a equiparar-se com partidos de direita somados (e até mesmo com o PS) nas camadas mais jovens.
Embora o BE mantenha uma forte presença entre os mais jovens (em especial entre as mulheres), uma publicação (também) de Pedro Magalhães ilustra uma mudança na tendência nas legislativas de 2022 (aqui). Observando as votações entre diferentes camadas populacionais e comparando-as com a votação da população em geral, vemos que hoje a Iniciativa Liberal surge com uma alta penetração entre os mais jovens, o Chega tem uma boa performance nesta demografia, e até o PSD não está fraco entre estes votantes.
Em geral, a tendência é esta performance ser mais destacada entre os homens, e a Iniciativa Liberal (forte no meio universitário e entre os que vêm de meios mais abastados) é especialmente forte entre os jovens com formação superior.
A chegada de António Costa ao poder, inicialmente apoiada por acordos com os partidos à sua esquerda, parece ter contribuído para esta tendência. Costa foi o único primeiro-ministro com que muitos dos jovens construíram as suas memórias políticas e sentimentos de oposição.
No entanto, este fenómeno não é exclusivo a Portugal. Muitos outros países da Europa continental demonstram a mesma tendência (como observado, por exemplo, aqui e aqui).
Enquanto estas estatísticas entre votantes trazem vários factos ao de cima, um episódio recente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa mostra que esta história acaba por ser redutora e precisa de ser complementada.
A POLÍTICA PARA LÁ DO VOTO
No dia 16 de Novembro, Rita Maria Matias, deputada do Chega, apareceu no recinto da FCSH acompanhada pela ala jovem do seu partido. A visita não se tratou de uma coincidência, e foi a repetição de uma tática da extrema-direita para executar golpes político-publicitários.
Estavam em pleno acontecimento as ocupações da Greve Climática Estudantil (GCE) no recinto da faculdade. Como se não bastasse a deputada ter começado a distribuir panfletos negacionistas com o título “Desmontar a Ciência Climática para Totós”, entre outras atitudes provocadoras, isto aconteceu dois dias depois de, na calada da noite, os estudantes das ocupações terem sido violentamente despejados e detidos pela polícia.
Não demorou muito até os estudantes se revoltarem contra a presença da deputada no campus. Em pouco tempo, a Juventude do Chega foi cercada e abandonou o recinto enquanto lemas como “fim ao fóssil, fim aos fachos” eram projetados dos megafones.
Logo à partida, este episódio traz um elemento ao de cima. Enquanto os “jovens” do Chega se contavam pelas mãos, as atividades da GCE estão espalhadas por e universidades, com numerosos estudantes a realizar atividades nos espaços de ensino. Apesar de nos votos a extrema-direita beneficiar dos números, com destaque nos jovens, o seu nível de mobilização política é mínimo quando comparado ao dos ativistas climáticos.
Ações disruptivas de grupos como a GCE e o Climáximo conseguem bloquear estradas e ocupar estabelecimentos de ensino. Estes não só põem em jogo o seu bem-estar físico, como também o fazem sabendo que serem detidos e julgados em tribunal são possibilidades reais. Este facto é inegável, mesmo para quem não se reveja nas reivindicações ou táticas dos grupos.
UMA ESPÉCIE DE MILITÂNCIA
Não foi por falta de tentativas que o Chega não conseguiu cimentar-se como um partido mobilizador. Face à manifestação anti-racista de 6 de junho de 2020, com milhares de pessoas, André Ventura tentou desafiá-la ao marcar a sua própria manifestação para mostrar que “Portugal não é país racista”.
Os números da iniciativa de Ventura foram mínimos quando comparados à primeira. Ventura ainda insistiu na construção de manifestações com temas como a “castração física de pedófilos”, mas em poucos meses entendeu as limitações da sua base.
Em ações além do Chega, mas ainda dentro do mileu da extrema-direita, em Julho deste ano, uma manifestação anti-imigração no Martim Moniz assumiu contornos patéticos. Esta foi marcada pelos poucos participantes, discursos aborrecidos para qualquer gosto político e o ar cartoonesco de alguns dos manifestantes.
Como descrito por Ricardo Cabral Fernandes do jornal Setenta e Quatro: “Querem ser populistas mas não perceberam nada, a experiência política é nula e daqui a uns tempos vão para casa sentar-se no computador queixar-se de como as mulheres não lhes ligam nenhuma, culpando a igualdade de género e o feminismo”.
É noutro reparo de Cabral Fernandes que encontramos outro ponto em comum com a visita de Ana Rita Matias à FCSH: “Se tivesse havido contra-manifestação, iam a correr para trás da polícia”.
O VOTO SEM POLÍTICA
Chamada por Matias, a polícia não demorou muito para chegar à FCSH. A deputada de extrema-direita usou as forças de segurança como abrigo e estas desataram a identificar pessoas que interagiam com a deputada de extrema-direita, inclusive por chamá-la de “fascista”. Passadas horas de ser expulsa da FCSH, Matias anunciou que ia apresentar queixa à polícia “por agressões na Universidade Nova de Lisboa”.
Grande parte das ações da extrema direita dos dias de hoje apoia-se numa constante vitimização e procura de atuação da polícia. Apesar das acusações de que as narrativas de esquerda em assuntos como o racismo se limitarem ao papel de vítima, são ativistas de extrema-direita quem procura ativamente vender-se como tal. É de uso comum a narrativa importada do movimento “White Lives Matter”.
Dado a falta de massas próprias, o partido de extrema-direita desloca-se para onde as massas se manifestam, procurando o conflito, para depois se vender como vítima e inflacionar o seu peso mediático. O golpe teatral de Matias não foi a primeira iniciativa deste género por parte de membros do Chega.
Também foi assim na manifestação “Casas para Viver, Planeta para Habitar” de 30 de Setembro. A tática foi útil para a governação PS, com a confusão provocada pela extrema-direita a tirar espaço às reivindicações da manifestação.
O website de extrema-direita, Notícias Viriato, chegou a basear a sua atividade em provocar Mamadou Ba. Na Avenida da Liberdade, o seu gestor procurou atiçar uma reação física por parte do ativista anti-racista, chegando mesmo a fingir uma agressão em nome da produção de conteúdo. No campo institucional, o Notícias Viriato chegou a conseguir vários direitos de resposta em órgãos de comunicação (enquanto não faltam movimentos sociais à esquerda em que os pedidos de direito de resposta são plenamente ignorados).
Assim, apesar da retórica anti-sistema, o modus operandi de extrema-direita apoia-se sucessivamente nos poderes instalados. Não têm sido os skinheads violentos que protagonizam as principais iniciativas de extrema direita, mas sim os queixinhas que aproveitam todas as ocasiões para ter um tratamento favorável da imprensa ou das forças de segurança.
No ensaio do historiador Anton Jäger “Everything is Hyperpolitical”, este cita a obra biográfica de Didier Eribon. O autor francês descreve a viragem da sua família do Partido Comunista Francês (PCF) para a Frente Nacional (FN) de extrema-direita na década de 1980.
O voto do pai de Eribon no PCF era feito com orgulho, de forma aberta, com uma ênfase coletiva, e era muito mais do que um ato individual. Com a viragem para a FN, o voto passou a ser discreto, quase envergonhado e uma mera expressão dos preconceitos e frustrações individuais. Significou a entrada numa era de pós-política.
À luz disto, torna-se mais clara a assimetria entre a pujança do ativismo à esquerda (que tem sido acompanhado de fragilidades das forças parlamentares) e a extrema-direita ascendente nas urnas, mas incapaz de mobilizar.
Se olharmos hoje para o Partido Comunista Português, apesar da recente debilidade eleitoral, a organização e os discursos na Festa do Avante conseguem mobilizar militantes a um nível invejável para qualquer força de direita. Já a tentativa de construir o “Chega Fest” é falhanço como as outras mobilizações de massas do Chega. Entre as juventudes partidárias, a Juventude Comunista Portuguesa conta com mobilização que deixa quase todos os partidos representados na Assembleia da República a milhas.
A extrema-direita atual foi incubada num mundo pós-político em que as decisões políticas e económicas são deixadas aos mercados mandatados pelas multinacionais e as alternativas são apresentadas como impossíveis.
A sua popularidade é um grunhido de impotência que surge em compensação a política a sério. Enquanto um grunhido pode ser o suficiente para conquistar votos, vê-se com dificuldades em dinamizar algo mais do conteúdo para as redes sociais.
A atuação é vendida como anti-sistema mas ganha espaço a partir dos pilares institucionais existentes. A classe dirigente neoliberal, sentindo-se débil, apesar da oposição formal, faz bom uso de políticos fascistas como tropas de choque.
Já no movimento climático, como visto na recente ação sobre o Ministro do Ambiente, o ponto é trazer ao de cima a política programática e resgatar-nos do mundo em que a única alternativa apresentada é ficar a assistir ao colapso (climático e não só). O contraponto para com a agenda baseada em casinhos e vitimizações não poderia ser mais drástico.
O movimento climático floresce no mesmo ambiente que a extrema-direita e a assimetria entre os dois lados vai além das propostas políticas. Ao invés da resposta ao estado do mundo ser uma resignação, é um grito em que os esforços para proteger tudo o que importa geram uma mobilização concreta.
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“A extrema-direita atual foi incubada num mundo pós-político em que as decisões políticas e económicas são deixadas aos mercados mandatados pelas multinacionais e as alternativas são apresentadas como impossíveis” - isto vê-se na ausência de ideias para lidar com a maior parte dos problemas políticos que enfrentamos actualmente, da transição demográfica ao aquecimento global, bem como o vácuo governativo que Trump, Bolsonaro e outros demonstram quando se encontram no poder