O Projeto ALMO | Edwin F Ackerman
Versão original publicada por Edwin F. Ackerman na New Left Review (Sidecar).
NOTA EDITORIAL DA REPÚBLICA DOS PIJAMAS
Andrés Manuel López Obrador, mais conhecido por AMLO, foi eleito presidente do México em 2018, para um mandato de seis anos. A eleição de AMLO, no mesmo ano que Bolsonaro, foi um ponto fora da curva na região, que se afastava gradualmente dos governos progressistas do início do século, conhecidos como ‘Onda Rosa’.
Mesmo governando o maior país de língua espanhola, com mais de 100 milhões de habitantes, a cobertura ao mandato de AMLO na Europa é bastante limitada. A excepção talvez sejam os principais meios dominantes da burguesia global, que lançaram constantes ataques nos últimos anos. Em 2018, o Financial Times publicou um texto de opinião que considerava AMLO um risco maior que Bolsonaro para a democracia liberal. The Economist - num especial sobre a América Latina em Julho de 2022 - estranhou os extraordinários níveis de popularidade de AMLO devido “a um desempenho medíocre na economia”. No mesmo artigo, o farol do liberalismo acabava por se contrariar e reconhecer o alto crescimento salarial e expansão de programas sociais para a classe trabalhadora mexicana.
Apesar de AMLO ser bastante próximo de Jeremy Corbyn, é difícil interpretar o seu projeto político usando a bitola do progressismo do Norte Global. O presidente é altamente cético da burocracia de Estado que herdou, após décadas de governação neoliberal do PRI, e prometeu um plano de ‘austeridade republicana’ com cortes salariais para a elite burocrática. Além disso, a resposta económica do México na pandemia foi considerada insuficiente pelo insuspeito FMI.
Com mais de quatro anos de mandato, e apesar de ter má imprensa, AMLO continua uma figura extremamente popular e com bons resultados eleitorais. O texto de Edwin F. Ackerman - autor de ‘Origins of the Mass Party’ e professor no Departamento de Sociologia da Syracuse University - publicado em Junho, no blog Sidecar, da New Left Review, responde a muitas das questões em torno da popularidade de AMLO, seus opositores e limites do seu projecto político.
Agradecemos ao Edwin F. Ackerman e a New Left Review por autorizarem a tradução e publicação do artigo, ‘The AMLO Project’. Para quem preferir áudio (em inglês), recomendamos a participação de Edwin F. Ackerman no Podcast Behind The News.
THE AMLO PROJECT, EDWIN ACKERMAN
O sistema político mexicano tremeu no dia 1 de julho de 2018, quando Andrés Manuel López Obrador (AMLO) e seu novo partido MORENA obtiveram uma clara vitória eleitoral, conquistando 53% dos votos numa eleição disputada por quatro candidatos – uma vantagem de trinta pontos percentuais sobre seu concorrente mais próximo. Esta foi de longe a margem mais ampla desde a “transição para a democracia” do país, na virada do milênio. Os partidos que dominaram o campo político ao longo do período neoliberal foram subitamente reduzidos a escombros. Hoje, os índices de aprovação do presidente permanecem na casa dos 70%, apesar de uma imprensa implacavelmente hostil, uma pandemia e a subsequente crise económica, acompanhada de pressões inflacionistas. Rivalidades históricas entre os partidos de oposição foram postas de lado, com o PRI, PAN e PRD a verem-se forçados a fazer uma aliança, ou perderem qualquer possibilidade de sucesso nas urnas.
As particularidades da presidência populista de esquerda de AMLO colocam-o em conflito não só contra a direita neoliberal, mas também contra a intelligentsia cosmopolita “progressista” e os movimentos autonomistas adjacentes ao neozapatismo. Esses grupos acusaram-no de “transformar o país numa Venezuela”, advogar o “conservadorismo” e agir como um "defensor do capital”. No entanto, agora que o seu mandato de seis anos se aproxima do fim, um olhar mais atento ao histórico de AMLO revela um quadro muito mais complexo. O seu projeto, de forma geral, tem-se afastado do neoliberalismo, indo na direção de um modelo de capitalismo nacionalista-desenvolvimentista. Até que ponto ele conseguiu, e o que é que a esquerda pode aprender com esta experiência?
Regra geral, as transições do neoliberalismo ocorrem num cenário estrutural moldado pelo próprio neoliberalismo: a erosão da classe trabalhadora como agente político, e o desmantelamento da capacidade institucional do Estado. Assim sendo, a tarefa histórica da esquerda contemporânea é a reativação da política de classe e a relegitimação do Estado como ator social. Podemos, portanto, avaliar a gestão de AMLO com base em três critérios fundamentais: o restabelecimento da clivagem de classes como matriz organizadora do campo político; o esforço de empoderar um aparato de Estado esvaziado por décadas de governação neoliberal; e a ruptura com um paradigma económico de corrupção institucionalizada. Analisaremos cada um destes critérios individualmente.
1.
Em maio de 2020, ocorreram os primeiros protestos de direita contra o governo de AMLO. Um vídeo viral circulou nas redes sociais que mostra multidões de manifestantes das classes mais altas a participar numa marcha automóvel na Avenida Nuevo León, em Monterrey. Da janela de um autocarro, um passageiro anónimo começa a discursar para os motoristas: “É isso que faz o México funcionar!”, diz. 'Os trabalhadores... os trabalhadores fazem o México funcionar!' Para muitos, a cena capturou o retorno da política de classe à consciência pública após uma longa ausência.
Apenas alguns meses depois de sua tomada de posse, AMLO declarou a morte do neoliberalismo mexicano. Foi uma afirmação ousada, mais uma vontade do que um facto consumado. Os primeiros sinais foram retóricos. Anteriormente, o discurso político concentrava-se na divisão entre a “sociedade civil”, vagamente definida, e o Estado. Representantes do Estado identificavam a necessidade de aumentar o “controlo cívico" sobre a “governação do Estado”. O antagonismo de classe tinha praticamente desaparecido do comentariado político. No entanto, sob AMLO, este antagonismo ressurgiu sob o disfarce Laclauiano: um confronto entre "o povo" e "a elite" (“fifis” e “machuchones”, é a forma como AMLO os define, respectivamente), esta última definida por sua riqueza, auto-ilusão meritocrática e desdém pela cultura da classe trabalhadora.
Essa mudança de retórica foi acompanhada por um rígido processo de realinhamento partidário. Nas eleições de 2018, os votos da classe trabalhadora espalharam-se por diferentes partidos, incluindo o bloco neoliberal, enquanto AMLO era particularmente popular entre a classe média. Naquela época, 48% dos eleitores com diploma universitário apoiavam os candidatos de MORENA ao Congresso. Por outro lado, esse número caiu para 33% mas eleições intercalares de 2021. No extremo oposto, dentro das classes trabalhadoras, ocorreu o inverso: 42% dos eleitores com o ensino básico votaram em MORENA em 2018, subindo para 55% em 2021. Sondagens mostram que quem mais apoia AMLO são os membros da classe trabalhadora formal, os trabalhadores do setor informal e os agricultores, enquanto seus opositores mais ferozes são empresários e profissionais com ensino superior. O fenómeno da “esquerda Brahmin”, cada vez mais comum nos padrões eleitorais da Europa e dos Estados Unidos, foi claramente revertido no México.
O que explica esta reviravolta? Nos últimos quatro anos foram caracterizados por um conjunto de reformas que favorecem a classe trabalhadora. Pela primeira vez foram reconhecidos os direitos laborais do Trabalho Doméstico e foram eliminadas práticas de contratação precária. Resultado disso, no ano passado, houve um aumento de 109% na distribuição de lucros aos quais todos os trabalhadores formais têm direito, mas anteriormente o patronato podia contornar, "terceirizando" a sua mão de obra. Sob AMLO, o processo de criação de novos sindicatos foi simplificado, os dias de férias duplicaram, e está em cima da mesa uma proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais (atualmente 48 horas). O seu governo instituiu o maior aumento do salário mínimo em mais de quarenta anos. Antes da crise económica, resultado do Covid-19 e respetivo confinamento, os mais pobres viram os seus rendimentos crescerem 24%.
Estas mudanças resultaram no ressurgimento tímido da classe trabalhadora como ator político. Talvez a evidência mais clara seja a revolta dos trabalhadores das maquiladoras [empresas geralmente localizadas no norte do México e totalmente integradas na cadeia de produção dos Estados Unidos] em Matamoros (Tamaulipas), onde dezenas de milhares de trabalhadores participaram das maiores greves espontâneas da história do sector. Revigorados com o aumento do salário mínimo, os trabalhadores exigiram mais direitos laborais, recusando-se a aceitar as tentativas dos patrões de impedir que os bónus aumentassem, em linha com os aumentos salariais. O movimento foi bem-sucedido em aumentar o número de sindicalizados e levou uma das suas lideranças, Susana Terrazas, a conseguir um lugar no Congresso, pelo MORENA
O foco de AMLO em programas sociais fortaleceu ainda mais essa nova política de classe. As transferências diretas de rendimentos atingem 65% mais pessoas do que nos governos anteriores. Em 2021, apesar da crise económica, os gastos sociais - como percentagem da despesa pública - atingiram o seu máximo da última década. Este modelo social opera sob uma lógica totalmente diferente do modelo neoliberal anterior, afastando-se do micro-direcionamento e do uso da condição de recursos, para uma abordagem mais universal. Embora as transferências diretas de rendimentos ainda sejam ligadas a subgrupos amplos (pessoas com mais de 65 anos, estudantes, portadores de deficiências, etc.), as condições de acesso são mínimas. Os programas sociais foram consagrados na Constituição, consolidando seu estatuto de direitos, em vez de “doações”; direitos em vez de caridade.
Do outro lado do espectro político, os partidos vencidos pelo MORENA formaram uma coligação que proclama abertamente a sua fidelidade aos grandes interesses económicos. Magnatas como Claudio X Gonzalez e Gustavo de Hoyos, ex-chefe da confederação patronal, desempenharam um papel crucial no financiamento da oposição e definiram a sua agenda política. Além de se oporem às leis laborais de AMLO, o setor empresarial tem resistido ferozmente à sua nova abordagem nas questões tributárias. Embora o governo adote, em linhas gerais, uma política macroeconómica ortodoxa, este tem-se esforçado para aumentar a receita fiscal, historicamente abaixo das médias da OCDE e da ALC [países da América Latina e Caraíbas]. Sem alterar a atual estrutura tributária, a fiscalização tem tido um impacto substancial na distribuição fiscal. Segundo dados oficiais, o governo aumentou a recolha de impostos dos mais ricos em mais de 200%. (Daí vem a descrição do FT de Raquel Buenrostro, ex-secretária de Administração Tributária de AMLO e atual secretária de Economia, como uma “dama de ferro” aplicando um “chicote fiscal nas multinacionais”).
Ao mesmo tempo, a perda de setores da classe média na sua base de apoio reflete o seu rebaixamento simbólico na grande narrativa da nação, que o Presidente vem construindo nas suas conferências de imprensa diárias. Enquanto nos governos anteriores, gabinetes cheios de diplomados nas universidades de elite sinalizavam respeitabilidade e autoridade, os apelos à “tecnocratização” agora são vistos como manobras de marketing político vazias. Os ministros são elogiados por “estarem próximos do povo”, não por seus títulos e premiações.
AMLO tem sido criticado nos círculos sociais mais liberais, predominantemente compostos pela classe média com formação universitária, pela sua falta de interesse em promover direitos sociais, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto. Ele recusou-se a tomar uma posição sobre essas questões, propondo, em vez disso, que estas fossem votadas em referendos; ainda assim, este é um ponto discutível, visto que houve um progresso significativo nestes temas a nível estadual (curiosamente, as maiores vitórias foram obtidas em áreas onde o MORENA controla o legislativo local).
O Presidente também escorregou na sua reação ao movimento feminista, bastante combativo, que surgiu em 2019 para se manifestar contra os persistentes feminicídios no México. Desde o início, AMLO parecia mais interessado em “desmascará-lo” como uma campanha orquestrada pela direita (que de fato tentou apoderar-se do movimento) do que em ouvir as suas exigências. Ele criticou as táticas de ação direta das recentes manifestações; e elogiou o trabalho das cuidadoras, que muitos viram como um exemplo de condescendência masculina. Embora AMLO tenha mantido uma política estrita de paridade de gênero no seu executivo, os movimentos feministas, compreensivelmente, olham para a sua presidência como insuficientemente preocupada com as hierarquias de género do país.
2.
Uma das principais prioridades do executivo de AMLO tem sido reverter o esvaziamento da capacidade institucional do Estado. Este processo tem assumido várias formas. Primeiro, houve um esforço de recentralização das funções do Estado, que tinham sido terceirizadas para empresas privadas. Foi abolida a subcontratação de serviços públicos, com o objetivo de reintegração de funções no Estado. O governo também se livrou dos trusts [entidades externas] que administravam o dinheiro público de forma opaca e altamente discricionária; estes fundos públicos foram colocados sob a alçada dos ministérios.
O plano de aumentar a capacitação institucional do Estado foi reforçado por uma série de “megaprojetos” de infraestrutura, liderados pelo Estado, e com o cancelamento de projetos privados como o aeroporto de Texcoco, ou a expropriação pública de partes dos caminhos de ferro. Os principais projetos do governo AMLO incluem o aeroporto Felipe Angeles; o Tren Maya - linha ferroviária circular na península de Yucatán -; um corredor de transporte que ligue o Golfo do México ao Oceano Pacífico; um programa de construção de estradas rurais; e um grande plano de reflorestação. Tais projetos são apresentados como uma forma de criar empregos, através de obras públicas, e também uma rejeição da doutrina fracassada do laissez-faire.
A soberania energética tem tido a atenção especial do governo AMLO, que tem tentado rejuvenescer a capacidade produtiva da petrolífera estatal (PEMEX) e transformá-la num motor do crescimento. O governo também trabalhou para conter, ainda que de forma modesta, o poder das empresas estrangeiras de mineração. Uma nova Lei de Hidrocarbonetos abre a possibilidade de revogar as licenças para empresas privadas que cometam determinadas violações. Enquanto a Lei do Setor Elétrico visa aumentar a energia gerada pela empresa estatal de eletricidade, a CFE, ao limitar os requisitos de compra de eletricidade ao setor privado. Ambas as medidas pretendem melhorar a posição relativa do setor público e reverter a anterior onda de reformas neoliberais. Recentemente, o governo reafirmou este compromisso com a compra de treze centrais elétricas, que eram propriedade da Iberdrola.
O longo período de enfraquecimento do Estado, que precedeu o mandato de AMLO, inevitavelmente é uma força de bloqueio para algumas das suas políticas mais ambiciosas. O Estado ainda não se libertou da sua dependência de parcerias público-privadas. O Estado viu-se forçado a usar os serviços administrativos do Banco Azteca, detido pelo magnata da comunicação social Ricardo Salinas Pliego, para implementar o seu programa social de transferência de rendimentos. Embora haja um plano para que os bancos públicos assumam essa responsabilidade, a transição tem sido lenta. O principal projeto de infraestrutura de AMLO, o Tren Maya, é propriedade pública, mas incluirá parcerias público-privadas. Serviços públicos anteriormente terceirizados, como creches, foram suspensos com o objetivo de serem providos pelo Estado, mas nem todos foram substituídos. Isto significa que a população tem de usar vales do Estado para adquirir serviços públicos no mercado privado. Sem capacidade administrativa real, AMLO tornou-se cada vez mais dependente dos militares para construir e operar muitos dos projetos de infraestrutura do seu governo.
A necessidade de recuperar o poder do Estado também é evidente na persistência da violência associada aos cartéis de drogas – uma questão que levou AMLO a criar uma nova Guarda Nacional, composta por membros do exército (e novos recrutas adicionais) treinados para realizar o trabalho policial. Os críticos afirmam que isso representa a militarização da vida pública; estes também criticam o uso do aparato repressivo ao longo da fronteira sul do país, onde as caravanas de migrantes da América Central são frequentemente recebidas com violência. Essas acções são em grande parte uma capitulação às exigências dos EUA (antes e depois de Trump) para que o México interrompa o fluxo de migrantes. Tal como seus antecessores, AMLO aceitou tais restrições à soberania nacional, talvez para usar isso como uma moeda de troca nas negociações com seu vizinho do norte. O Presidente dedicou-se bastante para impedir que as caravanas chegassem aos EUA: oferecendo vistos de trabalho mexicanos, pedindo um "Plano Marshall para a América Central" e fechando os olhos para repressões brutais da polícia. Seu histórico nessa área é desanimador – embora uma exceção importante tenha sido sua recusa em aceitar a tentativa de Trump de declarar o México um “terceiro país seguro”, o que teria impedido praticamente todos os refugiados da América Central de buscar asilo nos EUA.
3.
No seu discurso de posse como presidente em dezembro de 2018, AMLO afirmou que “a característica distintiva do neoliberalismo é a corrupção”. O neoliberalismo, como ele o vê, não é apenas a contração do Estado, mas sua instrumentalização ao serviço de interesses privados. Esse processo transformou o México numa espécie de economia rentista reversa, na qual uma rede de empresas privadas desvia dinheiro dos cofres públicos, por meio de uma série de mecanismos legais e ilegais: privatizações, terceirizações, venda de serviços sobrefaturados e criação de empresas fantasmas para ganhar contratos públicos e fugir aos impostos.
A noção de neoliberalismo como uma economia política da corrupção moldou a estratégia orçamental de AMLO. O conceito principal de seu governo é contra-intuitivo: austeridade republicana. Na prática, isso significa a contínua reorganização e recentralização da despesa pública com o objetivo de “cortar por cima”. Uma vez que o neoliberalismo mexicano forjou extensas ligações entre o Estado e grupos privados, a austeridade é vista como um meio de romper tais ligações – expulsando da esfera do Estado empresas parasitas cujos lucros dependem da generosidade do governo.
No longo prazo, a austeridade republicana pode dificultar, ou mesmo impossibilitar, a criação de um Estado Social sólido. No entanto, por enquanto, conseguiu relegitimar o Estado após décadas de favoritismo e clientelismo. Os receios de que este programa resultasse em despedimentos em massa não se materializaram. Além dos gastos substanciais com obras públicas e transferências sociais, setores como ciência, educação e saúde tiveram seus orçamentos aumentados, ainda que marginalmente. O problema mais sério do conservadorismo orçamental de AMLO é que este reduz o apelo de uma reforma tributária profunda, porque a austeridade republicana implicitamente defende que a esquerda consegue cumprir seus objetivos políticos com o controlo eficaz da despesa pública: reforça a disciplina orçamental, em vez da redistribuição da riqueza.
Em teoria, os críticos de esquerda de AMLO poderiam reconhecer seus avanços enquanto constroem uma crítica sólida da sua política de género, controlo das fronteiras e austeridade orçamental. No entanto, na prática, eles perderam a oportunidade de construir uma alternativa ao MORENA. Até agora, as críticas de esquerda a AMLO foram amplamente monopolizadas pela intelligentsia “progressista”, que foi absorvida pelo grande bloco de oposição dominado pela elite. O movimento autonomista, por sua vez, continua desinteressado em capturar o poder do Estado. Abandonou esse terreno há muito tempo, tem-se concentrado na oposição a projetos desenvolvimentistas, e não tem grandes resultados a mostrar.
Qualquer avaliação de AMLO e do MORENA deve reconhecer as dificuldades de retomar um Estado Social com uma capacidade administrativa enfraquecida, e reanimar uma classe trabalhadora que tinha sido praticamente derrotada como agente colectivo. Obviamente, a atual administração contém muito mais incertezas e contradições que aquelas apresentadas neste breve ensaio. Qual a viabilidade do neodesenvolvimentismo no contexto da crise climática? Os impostos progressivos podem ter sucesso num cenário de estagnação? Com que rapidez um país pode se afastar do investimento estrangeiro? Essas são questões para a esquerda mundial. Quaisquer que sejam as insuficiências de AMLO, sua tentativa de romper com o neoliberalismo não pode ser facilmente descartada.
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