Síntese Literária | Adam Tooze - The Wages of Destruction
As escolhas de Hitler não são apresentadas como determinísticas. No entanto, o enquadramento económico destas é frutífero para vermos algo mais além de uma sequência espúria de acontecimentos.
Este é um livro sobre a economia da Alemanha Nazi. Carvão, borracha, aço, preços, inflação e petróleo são palavras usadas vezes sem conta. No entanto, este livro não se cinge a uma abordagem tecnocrática sobre a gestão da economia de guerra alemã.
A obra passa por ir além de resumir a economia a uma técnica para o cumprimento das políticas Nacional-Socialistas. A narrativa do livro percorre as escolhas e lentes ideológicas de Adolf Hitler e dos seus seguidores, explicando como foram sendo formadas e restringidas pelo contexto económico enfrentado.
A ideologia Nazi é apresentada como uma aberração, mas uma aberração moldada pelos acontecimentos das décadas anteriores. A ascensão Nazi surge na sequência da derrota alemã na primeira guerra mundial, das perdas territoriais, desarmamento, reparações exigidas pelas potências vitoriosas, da hiperinflação e das ondas de choque da grande depressão.
Para Adam Tooze , as escolhas do regime Nazi partem do dilema da política alemã herdado da República de Weimar. A estratégia atlanticista, apoiada nos Estados Unidos da América, usa esta potência ascendente como contrapeso face às rivais França e Grã-Bretanha. Durante os anos 20, o financiamento estadunidense manteve a economia alemã à tona, mas o choque económico da grande depressão, e subsequente isolacionismo, deitam por terra o sistema do pós-guerra e criam uma nova legião de desempregados alemães.
Quando os Nazis chegam ao poder em 1933, encontram a Oeste as velhas potências - França e Grã-Bretanha, com os seus vastos impérios coloniais, prontas a asfixiar a Alemanha a qualquer oportunidade; Do outro lado do Atlântico, os EUA em forte desenvolvimento económico, alavancado nas suas vastas reservas naturais.; Já a Este, a União Soviética, com um território amplo e rico ocupado pelo que Hitler vê como raças inferiores incapazes (e cujo recente desenvolvimento industrial lhe parece passar despercebido).
Para os novos dirigentes alemães, o fio que une as potências rivais é a “conspiração judaica”. À propaganda antisemita dos séculos anteriores, a ideologia de Hitler acrescenta a maquinação judaica internacional destinada a amarrar a Alemanha. Desde o Bolchevismo, como uma máscara do domínio judaico, à judaria financeira da City londrina e de Wall Street.
Apesar dos Estados Unidos parecerem marginais no pensamento de Hitler, o “Segundo Livro” não publicado revela que a potência Americana ocupa um largo espaço na mente do Führer. Não podemos ignorar que estamos no tempo do advento do consumo de massas, simbolizado pelo Fordismo, assente no enorme mercado interno e nos recursos do território Norte-Americano. Mas na Alemanha a situação é diferente, não nos devemos iludir pela imagem do sucesso alemão do século XX. Os Nazis herdaram uma economia fragilizada pela grande depressão e um Estado desmilitarizado. Face às potências ocidentais, a Alemanha é um país atrasado e sem um império fornecedor de recursos naturais.
A retórica exposta em Mein Kampf na década anterior abranda na chegada ao poder, mas os acontecimentos posteriores não deixam dúvidas sobre as intenções alemãs: a conquista de terras a Este, o desenvolvimento económico a partir dos recursos agrícolas e minerais adquiridos e o ajuste de contas com os velhos rivais europeus. Assim, tal como os Estados Unidos conquistaram a Oeste o território dos "peles-vermelhas ", também o destino da Alemanha passa por conquistar e arianizar o território a Este ocupado por “eslavos inferiores”. “Fordism, in other words, required Lebensraum”.
O projeto de expansão das forças armadas alemãs arranca em 1933 e necessita de vastas importações de minérios, combustíveis e borracha. A gestão de divisas estrangeiras é sujeita a um estreito equilíbrio. Um grau de planificação é imposto na economia, suprimindo a importação de vários bens de consumo para dar espaço à construção da máquina de guerra. Este não é bem visto pelas potências rivais, necessitando de um jogo de cintura político que passa por explorar as divisões no seio dos adversários.
A intrusão do Estado no comércio externo também não foi bem vista pelos empresários Alemães, no entanto, o apoio político de nomes como Volkswagen, BMW, IG Farben, Thyssen & Krupp foi conquistado com a política interna de esmagamento e perseguição do poder sindical e numerosos contratos de armamento.
Com o passar dos anos, o poder Nazi sobre o estado alemão vai se consolidando, e os esforços de armamento e o contexto internacional favorável permitiram a recuperação da economia e das forças armadas. No entanto, as potências rivais não se deixaram ficar. A dinâmica que marca o passo das decisões alemãs passa a estar centrada no potencial industrial dos rivais.
Face aos acontecimentos surpreendentes da primavera 1940, que ditaram a conquista de França, é fácil esquecermo-nos desta dinâmica, mas foi ela que desencadeou a agressão sobre a Checoslováquia em 1938, e o lançamento da guerra generalizada com a invasão da Polónia em 1939.
Com o rearmamento, a Alemanha consegue um reforço das suas forças armadas em relação às da França e da Grã-Bretanha. No entanto, a resposta destas, com os seus próprios programas de armamento, irá, a seu tempo, recolocar a Alemanha numa situação de aguda desvantagem. Os potenciais económicos da França e da Grã-Bretanha com impérios espalhados pelo mundo não poderiam ser combatidos a longo-prazo. Numa guerra de atrito a Alemanha não consegue manter-se a par na produção de tanques, aviões, navios e munições.
Se somarmos os EUA (cada vez menos reticentes em enfrentar os projetos expansionistas da Alemanha), o campo fica cada vez mais inclinado contra o Reich. Se a Alemanha aspira cumprir o projeto de expansão, a hora de atacar é na janela de oportunidade de 1938-1939, antes dos ganhos militares relativos dos últimos anos serem anulados pelos programas bélicos dos adversários.
No livro de Adam Tooze, as escolhas de Hitler e dos seus seguidores a curto e a longo-prazo não são apresentadas como determinísticas, mas moldadas pela sua visão do mundo e comportando a tomada de enormes riscos. No entanto, o enquadramento económico destas é frutífero para vermos algo mais além de uma sequência espúria de acontecimentos ou consequência apenas da ideologia e do voluntarismo Nazi.
Com a onda de vitórias de 1940, a Alemanha não varre a precariedade económica. As cadeias de comércio internacional continuam cerradas pela Royal Navy e, apesar das conquistas renderem stocks de divisas estrangeiras e armamento, a escassez de matérias primas continua a deixar a Alemanha e seus aliados em desvantagem face à Grã-Bretanha e aos seus parceiros Norte-Americanos. A situação pode ser encarada como ainda mais adversa, pois os territórios conquistados necessitam de ser alimentados para estarem ao serviço da máquina de guerra alemã. É isto que motiva, logo a seguir à conquista de Paris, a viragem para Moscovo.
O plano para a conquista da União-Soviética passa por uma replicação do sucesso em França: uma guerra relâmpago, não de atrito que contorne as desvantagens económicas da Alemanha. Com a vitória a Leste e a expansão do espaço económico sobre os vastos recursos minerais e agrícolas, a Alemanha atingiria finalmente a paridade económica com os EUA. A apropriação destes recursos nunca foi pressuposta como pacífica, exigiria uma razia populacional eslava a Este, e é aí que a selvageria Nazi, que marcou a guerra, ganha velocidade.
Com a mobilização cada vez maior da população alemã, o novo desafio económico da falta de mão-de-obra impõe-se. Aqui Tooze expõe os argumentos conhecidos da moderação da brutalidade sobre as populações conquistadas, dada a necessidade de as empregar para suportar o fardo da guerra, mas complementa-os com uma força no sentido oposto: a necessidade de manter a mão de obra fabril, que trabalha cada vez mais horas, alimentada, desencadeando o desviar de alimentos da periferia para os centros industriais do império de Hitler, engrossando a malnutrição e a fatalidade da guerra.
O falhanço da conquista da União Soviética nos primeiros meses da invasão de 1941 segue-se, e a surpresa da capacidade industrial além dos Urais (ao contrário das narrativas mais comuns no ocidente, Adam Tooze não atribuiu um papel especial ao inverno russo na vitória soviética) dita a derrota do projeto Hitleriano, mas a guerra ainda se arrastará por mais quatro penosos anos. É sobre estes anos que Tooze se debruça num ajuste de contas com o legado de Speer, o “homem milagre” da máquina de guerra alemã.
Albert Speer torna-se o ministro do armamento em 1942 e, durante o seu mandato, a máquina de guerra alemã, cercada e sufocada, consegue não só sobreviver mais de três anos, como ainda lançar novas ofensivas, sobre o Magrebe e o Cáucaso, que poderiam ter virado a guerra a favor da Alemanha.
Nos julgamentos de Nuremberga, Speer consegue salvar o pescoço vendendo-se como um tecnocrata genial e apolítico, demarcando-se dos colegas promotores da selvajaria Nazi. Depois de 20 anos na prisão, publica vários livros e goza de uma vida invejável (dentro dos padrões de antigos dirigentes Nazi).
Tooze contesta o legado deste “bom Nazi”, investigando a propaganda, as estatísticas de produção, a tremenda mobilização de recursos e a quase-escravização de populações de zonas ocupadas. Emerge assim, não um tecnocrata miraculoso, mas um político íntimo de Hitler que manteve a produção bélica alemã sobre rodas.
O livro, publicado em 2007, termina com uma reflexão sobre a natureza da política europeia no pós-guerra: “Sixty years later, what else there might beto politics in Europe beyond the tiresome squabbles of discontented affluence remains an open question”. Olhando para 2023, ano em que o Leste europeu volta a ser palco de guerra, os dilemas sobre o fornecimento de recursos naturais (em particular energéticos) para a Europa são tão pertinentes como nunca; certamente a pergunta de Tooze deixou de ser aberta.
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