Seis ideias-chave sobre o primeiro orçamento dos Trabalhistas
Depois de 100 dias desastrosos, o governo Starmer tenta definir a agenda com o seu orçamento
Depois de uma vitória eleitoral sem grande entusiasmo e um péssimo arranque nos primeiros 100 dias, com várias polémicas, - Rachel Reeves tentou reverter o mau início de governo com o primeiro Orçamento trabalhista em 14 anos
Ideia 1: Tentar resgatar a imagem do Estado.
Como a maioria dos partidos de centro-esquerda, os trabalhistas foram perdendo quadros do mundo sindical que foram gradualmente substituídos por quadros ligados a ONGs, burocratas de Estado e académicos.
Oliver Eagleton, autor do livro “Starmer Project” argumentou que Starmer não era exatamente um regresso à terceira via de Blair mas uma tomada do governo por parte da burocracia do Estado.
A reputação do Estado britânico e o serviço público foram sendo esvaziadas numa combinação de austeridade e falhas dos serviços públicos e corrupção ao nível do governo (tese central de Simon Kuper no livro Good Chaps).
Na oposição, mais que um projeto ideológico, Starmer tentou criou a ideia que traria de volta para o governo a ética, competência e espírito de serviço público. Nos primeiros meses, os escândalos em torno de Starmer ter recebido várias prendas num valor superior a 100 mil libras, pareciam ter afundado por completo essa estratégia.
Este orçamento tenta controlar danos ao alocar quantidades avultadas de dinheiro para compensar vítimas de falhanços passados do Estado, como por exemplo, o escândalo dos serviços postais e o de contaminação de sangue. Também aloca fundos para lidar com as causas e consequências do incêndio de Grenfell Tower.
Ideia 2: Um orçamento para cumprir os projetos dos Conservadores.
Reeves aumentou impostos e ajustou as amarras orçamentais auto impostas - com uma nova forma de calcular divida menos inimiga do investimento, que a UE deveria replicar - para aumentar a despesa corrente (2/3 da nova despesa) com o Estado Social e fazer investimentos (1/3 da nova despesa) em infraestruturas (principalmente transportes) para expandir a capacidade produtiva do país.
Enquanto estas são medidas positivas, não houve grandes novidades relativas a novos projetos de infraestruturas. Em grande medida, Reeves está simplesmente a confirmar que vai avançar com projetos que o governo anterior anunciou.
Ideia 3: Muito impostos progressivos mas a receita nem tanto.
Em termos de anúncios de aumento de impostos para financiar os planos do governo, existem várias medidas progressivas e que não afetam os rendimentos do trabalho, tal como prometido em campanha. Estas incluem o IVA nos colégios privados, uma taxa extraordinária nos jatos privados, um aumento dos impostos sobre ganhos de capitais e algumas alterações nos impostos sobre heranças.
Estas medidas estão longe de aumentar a receita para os níveis ambicionados pelo governo. Por isso, Reeves usou um truque para se manter fiel à sua promessa eleitoral: aumentar a contribuição da segurança social dos empregadores.
A medida não reduz diretamente os salários dos trabalhadores, como prometido, mas muito provavelmente terá uma redução do seu crescimento salarial, com os patrões a passarem o custo da medida para os trabalhadores.
Reeves ganhou tempo. Os defensores do governo podem muito bem argumentar que criar novos impostos (efectivos) no capital demora tempo para desenhar, legislar e implementar. Os próximos orçamentos dirão se esse é o caso.
Ideia 4: A impopularidade para acalmar os mercados.
A dupla Starmer e Reeves antecederam o anúncio do Orçamento com duas medidas muito impopulares, com efeitos orçamentais mínimos: o aumento do preço dos autocarros de £2 para £3 e a acabar com a universalidade do “winter fuel allowance”.
O anúncio antecipado destes cortes, com uma despesa relativamente pequena face a outras medidas do orçamento, pode parecer apenas uma péssima estratégia política. Contudo, provavelmente foi uma forma de mostrar aos mercados que apesar do aumento do endividamento, o governo está disposto a ser impopular se os mercados acharem necessário.
Ideia 5: Usar a economia para reduzir a imigração.
Após uma campanha eleitoral a recorrer a uma xenofobia característica do Partido Conservador, Starmer visitou Meloni para “aprender” com os seus sucesso em reduzir os fluxos migratórios.
Sem ser um orçamento com grandes medidas para combater os fluxos migratórios, podemos ver interpretar muitas das medidas económicas como uma forma de reduzir a procura por mão de obra barata.
O governo aumentou o salário mínimo em 6%, aumentou as proteções laborais e aumentou o equivalente à TSU dos empregadores. O conjunto de medidas, no médio prazo, podem arrefecer a procura por novos trabalhadores baratos, geralmente vindos de fora. Sem assumi-lo, Starmer-Reeves usou o orçamento como mecanismo para reduzir a migração e combater a direita nessa área.
Ideia 6: Transição energética como modelo económico.
Se grande parte das medidas do orçamento são apenas uma forma de financiar compromissos que o Estado britânico já tinha com a sua população (NHS e investimentos já anunciados), na área da Transição Energética encontramos diferenças de modelo de desenvolvimento económico.
Inspirado na administração Biden, o governo Starmer entende que a transição energética - dada a sua urgência e incerteza de retornos - é a área onde a intervenção do Estado é menos confrontada pelo capital privado.
O governo anunciou £2,3 mil milhões de investimento em projetos de hidrogénio verde e £22 mil milhões num mega ciclo de 25 anos para a captura de carbono.
Em grande medida a ideia é co-financiar a inovação de tecnologias para a transição, que se bem sucedidas, podem reindustrializar o país e serem exportadas para o mundo. Tal como no Bidenomics e o relatório Draghi, a energia e a seleção setorial do Estado marcam a agenda económica de Starmer.
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