Reino Unido: 14 anos em gráficos e imagens
Uma compilacao de dados relevantes para entender a situação em que o Reino Unido se encontra.
Fizemos uma compilacao de dados relevantes para entender a situação em que o Reino Unido se encontra, inspirado no ChartBook de Adam Tooze.
Esperamos que gostes.
1. Situação Eleitoral
A grande margem de manobra dos Trabalhistas só se materializou após o desastroso orçamento de Liz Truss.
Ainda assim, a opinião do público sobre Keir Starmer, líder Trabalhista, é baixa. O número de pessoas que considera o seu trabalho bom, como líder da oposição, é inferior aquelas que considera o seu trabalho fraco.
Consequentemente, o entusiasmo com Keir Starmer, mesmo os eleitores trabalhistas, é relativamente baixo. Ou seja, é expectável uma larga maioria mas com pouca profundidade, levando a riscos futuros.
2. Condições de vida dos Britânicos desde a crise financeira
Os salários, quando ajustados à inflação (salário real), estão abaixo dos níveis vistos antes da crise financeira e isso não se deve apenas ao recente choque inflacionário. Apenas na pandemia, e temporariamente, é que os salários chegam aos níveis pré-crise.
Esta estagnação praticamente não tem precedentes. Em 2017, fact-checkers confirmaram as afirmações de um sindicato que dizia que o Reino Unido vivia a pior década de crescimento salarial desde as guerras napoleónicas (1803-1815). Desde 2017, a situação não melhorou.
Esta estagnação total salarial também se destaca quando comparada com outros países no mesmo período. Entre 2008 e 2022, o crescimento salarial do Reino Unido foi inferior ao fraco crescimento salarial português.
A evolução salarial não captura toda a tragédia social vivida no Reino Unido desde a crise financeira. Apesar do desemprego baixíssimo (em torno dos 4%), o número de pessoas a recorrer a bancos alimentares explodiu, consequência dos cortes em serviços e prestações sociais por parte dos Conservadores. Toda a pesquisa no tema confirma o forte uso de bancos alimentares por pessoas em situação de emprego, muitas delas trabalham para a própria função pública.
O ciclo de crescimento económico através da alta finança e crédito tem sido caracterizado por um crescimento do valor das habitações muito acima dos rendimentos. O preço de compra de uma casa, medido em rendimentos ganhos num ano, não era tão alto desde 1876.
O aumento dos preços não captura a totalidade da crise, porque tem outros aspectos qualitativos. No contexto internacional o Reino Unido é dos países com os custos de habitação mais caros, pior qualidade do stock e pouco espaço disponível por habitante.
Consequência de todas essas dinâmicas, as classes de rendimentos mais baixo são significativamente mais pobres do que países com semelhantes níveis de rendimento. Por exemplo, os britânicos mais pobres tem rendimentos 30% mais baixos que os franceses.
Apesar de ser difícil de contabilizar, tudo indica que o número de sem abrigos mais do que duplicou em menos de uma década, durante os anos de austeridade. A
3. A transformação da sociedade com Thatcher
Descrever que os anos Thatcher foram caracterizados por crescimento económico desigual, inclinado para os mais ricos, é verdadeiro mas acaba por não capturar a real dimensão do fenômeno. Desde que há dados, nunca nenhum grupo viu os seus rendimentos crescerem tanto como os mais ricos durante os governos Thatcher. Entre 1979 e 1987, o governo mudou a correlação de poder entre classes. A incapacidade de manter essa dinâmica no último governo, aquele com menor crescimento de rendimentos dos mais ricos, explica o colapso da base eleitoral Conservadora.
Uma medida tragicamente emblemática desta transformação, tomada quando Thatcher ainda era ministra da educação em 1971, foi terminar com a gratuitidade do leite escolar. Esta medida acabou por ser uma antecipação do legado Thatcher: um aumento exponencial da pobreza infantil, conseguido durante um período de crescimento económico.
O Reino Unido teve um programa de privatizações que envolveu milhões de casas públicas, a ferrovia, os autocarros, as redes de abastecimento de água e de energia, entre outras. Décadas depois, várias dessas empresas passaram para as mãos de empresas públicas estrangeiras, um processo com paralelos das privatizações portuguesas.
Em 2017, segundo o sindicato dos ferroviários, 70% da rede era gerida por empresas estrangeiras, pelo menos parcialmente. Envolvendo empresas públicas de França, Itália, Alemanha, Holanda e Bélgica. A EDF, empresa francesa de energia, domina o mercado britânico.
4. O legado Thatcher: Um Estado incapaz de planear, investir e modernizar e a morte lenta do NHS
Após a privatização, áreas como a água, ferrovia e energia viram-se incapazes de investir na sua infraestrutura para enfrentar os desafios existentes. Os reservatórios de água deixaram de ser construídos apesar do forte crescimento populacional.
A falta de investimento faz com que a ferrovia seja das menos eletrificadas e mais caras da Europa ocidental.
No que toca à eletrificação, o Reino Unido foi recentemente ultrapassado pela Índia, país conhecido por ter herdado uma ferrovia construída pelos britânicos.
Uma das poucas tentativas de investir na ferrovia, com a construção de uma linha de alta velocidade de Londres para o norte, tornou-se um desastre total. Ainda antes de terminado, o projeto já se tornou uma das ferrovias de alta velocidade mais caras do mundo.
Consequentemente, o projecto tem sido cortado e neste momento nem planeia ligar as duas principais cidades do país (Londres a Manchester). Existem muitos motivos para este falhanço, mas a construção de túneis sem necessidade, para não “estragar a vista” moradores relativamente ricos, em zonas historicamente conservadoras, é um deles, e mostra a captura do Estado britanico por parte de pequenos segmentos da sociedade.
No caso da rede de energia renovável, o governo Conservador sabotou ativamente a expansão de energia eólica onshore. Enquanto a Escócia, beneficiando da sua autonomia, continuou a expandir o sector, Inglaterra viu a capacidade instalada estagnada dada uma proibição feita pelo governo de David Cameron.
Estes e outros constrangimentos fizeram do Reino Unido uma economia de baixíssimo investimento, tanto público como privado.
Na saúde, apesar do serviço de saúde nunca ter sido privatizado, desde o início do ciclo de austeridade, que os britânicos têm vindo a gastar mais dinheiro com saúde privada. Em relação ao tamanho da economia, o Reino Unido tem-se aproximado dos níveis gastos diretos dos Estados Unidos da América.
O que é resultado da deterioração do sistema nacional de saúde britânico. Após uma década de declínio gradual, caracteristica dos governos de David Cameron, os tempos de espera dispararam depois da pandemia, para máximos das últimas três décadas e sem qualquer estabilização.
Enquanto a pioria pós-pandemia dos sistemas de saúde é comum na maioria dos países europeus, esta crise tomou outras proporções no Reino Unido.
Um dos receios iniciais como Brexit era a redução da migração e falta de mão de obra. Apesar de toda a retórica anti refugiados, o Reino Unido tem aberto as portas a trabalhadores estrangeiros. Em parte causado por uma política de receber população de Hong Kong e Ucrânia, mas vai para além disso.
Num país com baixa mobilidade interna devido aos altos custos de habitação em Londres e arredores, e um ensino superior caro, a imigração é a forma de contornar o problema. Os Conservadores, para mascararem esta contradição, radicalizaram o seu discurso, principalmente contra os refugiados e imigrantes mais vulneráveis.
Pensar, escrever, editar e publicar demora tempo e exige sacrifícios. Nós, os Pijamas, fazemo-lo à margem das nossas rotinas laborais, sem receber por isso. Fazemo-lo por serviço público e, sobretudo, para desconstruir a narrativa do economês dominante e reflectir sobre caminhos alternativos para a nossa vida colectiva.
Se gostaste do que leste, apoia-nos. É simples e não te vai custar um cêntimo: subscreve e partilha a nossa newsletter e os nossos artigos. Esse é o maior apoio que nos podes dar.