Paying the Land | Joe Sacco | Recomendação literária
Apesar de não ser um livro de economia política, Paying the Land é um livro que deve pôr a pensar aqueles que se preocupam com causas sociais
O livro Paying the Land, de Joe Sacco, é o resultado de um trabalho de investigação jornalística nos Territórios do Noroeste Canadianos, onde a exploração de petróleo, gás e outras matérias-primas alterou profundamente a forma de viver das comunidades indígenas da região.
Foi o terceiro livro que li do Joe Sacco (depois dePalestina e o ‘Área de Segurança: Gorazde’) e o que mais gostei, provavelmente pelo ângulo histórico-econômico. Sacco reporta durante um período em que as commodities estão muito baratas - o que coloca o boom económico local em suspenso - criando uma brecha temporal onde as dúvidas, frustrações e arrependimentos dos residentes emergem.
A intervenção nestes territórios, primeiro pela administração colonial e posteriormente pelo Estado Canadiano, são tão recentes que Sacco consegue entrevistar um vasto grupo de pessoas que ao longo da sua vida passaram de nómadas para sedentários.
O livro acaba por fazer um resumo, através de experiências pessoais, de como o Estado conseguiu ocupar e explorar territórios que eram geridos por estas comunidades, de forma maioritariamente autônoma e autossuficiente. Forçar crianças a frequentar colégios internos distantes, dominados pela violência e o abuso, foi uma das principais ferramentas de desmembrar estas comunidades. Ao excluir esses jovens das estruturas sociais existentes - onde passam a ser vistas quase como estrangeiros no seu próprio território por não saber pescar, caçar etc - o Estado garante, em poucas décadas, que estas comunidades se tornaram dependentes de trabalhos assalariados nas indústrias extrativas ou de transferências sociais.
O Estado Canadiano usou ativamente a educação universal e as transferências sociais, muitas vezes bandeiras de movimentos progressistas, como forma de garantir o deslocamento destas comunidades para vilas, criando um mecanismo semelhante aos ‘enclosures’ de terras na Inglaterra séculos antes. Paying the land mostra o perigo de aceitar soluções sociais-tecnocráticas como o Rendimento Basico Incondicional, de forma acrítica, sem ter em consideração a correlação de forças entre grupos sociais. Ao contrário dos instintos de muitos sociais-democratas, o intervencionismo estatal não é inerentemente bom, e as suas políticas sociais podem ter segundas intenções. No final de contas, em sociedades cada vez mais oligárquicas, o Estado acaba por ser capturado pelo poder económico.
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