Nelma Serpa Pinto mostra uma direita orfã
Tentar fazer de Nelma Serpa Pinto peça central da oposição ao PS mostra as fragilidades do bloco da direta
Num vídeo que viralizou, em especial nos meios digitais da direita, Nelma Serpa Pinto, jornalista da SIC, surge a questionar Pedro Nuno Santos sobre o problema da habitação durante o congresso do PS.
O fascínio por Serpa Pinto instalou-se em círculos de direita, com esta a ascender ao estatuto de heroína. No Observador, jornal sem dúvidas afeto à direita, fala-se de KO de Nelma Serpa Pinto a Pedro Nuno Santos. Um Youtuber adjacente ao Chega celebra o “arraso” que a jornalista deu. Noutro exemplo, numa página de memes, com várias publicações que direcionam para uma casa de apostas online, considera a jornalista como “um sonho de governo”.
Durante a entrevista ao líder do PS, Serpa Pinto insiste, num tom mais confrontacional do que é costume para uma jornalista, sobre o mau legado dos governos socialistas na habitação, afirmando que os governos socialistas “já estão há uma década no governo”.
O mais oportuno nesta intervenção não é o tom, as perguntas ou sequer a imprecisão de Serpa Pinto sobre o tempo de governação do PS. Afinal, há situações que merecem diferentes abordagens por parte dos jornalistas, e confundir oito anos com uma década não é uma imprecisão vital.
Já no congresso do Chega, o tom da jornalista não foi muito diferente, com André Ventura a reagir às perguntas num tom agressivo. A interação foi aproveitada por setores afetos ao PS como uma relativação da entrevista de Pedro Nuno Santos, mas nunca pondo a jornalista no mesmo pedestal que a direita.
É mais relevante olhar para o encanto desenvolvido em relação a Serpa Pinto por quem se opõe ao PS, e em especial porque é que este surge mais à direita do que à esquerda. Procurando por fatores que descartem a admiração de espaços à esquerda do PS pela jornalista, temos, entre outros, a relação que a imprensa tem com partidos como o PCP e BE.
Apesar de agora fazer peito a Pedro Nuno Santos, a imprensa conviveu muito bem com os últimos anos da governação do PS. Se remetermos às eleições legislativas de há dois anos, estamos perante a mesma imprensa que deixou o executivo António Costa, sem grande contestação, passar mitos como o orçamento do Estado proposto para 2022 ser o "mais à esquerda" até então apresentado. Numa lista de ocorrências que seria interminável, também é notável a representação que políticos à esquerda do PS (não) têm nos média.
Já do outro lado, e tendo em conta a causa da habitação não ser especialmente estimada à direita, a admiração por Nelma traz ao de cima um campo político órfão de líderes e de propostas positivas.
Se olharmos para Luís Montenegro, depois de a renovação da Aliança Democrática não ter trazido grande entusiasmo ao seu eleitorado, o líder do PSD repete afirmações sobre a força do PSD. Podemos inferir que a pujança com que o diz não serve só para tentar seduzir o eleitorado, como também para se convencer a si próprio da força do seu partido.
É difícil de sequer imaginar um vídeo de Montenegro que desperte paixões e se torne viral. A fasquia é tão baixa, que basta um vídeo de menos de um minuto de uma jornalista para entusiasmar o eleitorado à direita. Rui Rocha também não desperta um entusiasmo particular e André Ventura continua a ser André Ventura.
Nenhum destes líderes é deslocado da génese dos seus partidos ou trazido à liderança por acidentes do acaso. Nos três casos, é difícil encontrar figuras que estiveram na iminência de se tornar líder, mas que por força das circunstâncias tal não se tenha verificado.
O deslumbramento por Serpa Pinto é o fascínio de uma agenda política que não se consegue representar a si própria, em que a única alternativa que têm a oito anos de governação socialista é, na melhor das hipóteses, a aceleração do pior desta. Quando as grandes propostas são privatizações, reduções de impostos, desmembramento do estado social e xenofobia, é difícil encontrar candidatos viáveis que sirvam de interlocutores. A sua política é um corpo deformado que luta por encontrar uma cabeça.
Com uma liderança encabeçada por Luís Montenegro, Nena Serpa Pinto, imbuída de uma aura jornalística, está bem posicionada para acolher o fascínio da direita. Percepcionada como opositora a Pedro Nuno Santos, a posição de jornalista oculta as fragilidades programáticas da oposição, e isto é suficiente para que acolha mais entusiasmo do que qualquer líder da direita. Naturalmente, se Nelma fosse a política que a direita anseia, passaria a ser julgada pelos critérios com que qualquer aspirante a governante deve de ser. Aí o fascínio atual seria tudo menos garantido.
Uma ascensão do Chega à liderança da direita representaria uma solução para este dilema. Não ao encontrar uma cabeça viável, mas ao deformar ainda mais o corpo e as políticas que o representam.
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Concordo com quase tudo. Parece-me, no entanto, que não se trata de conivência da comunicação social com o PS. Os mitos como o orçamento do Estado proposto para 2022 ser o "mais à esquerda" até então apresentado, têm um objetivo muito diferente daquele que lhe estão a dar. O que foi dito na altura, não teve nenhuma perspetiva elogiosa, mas sim na ótica de que o orçamento representava uma deriva ideológica. Essa crítica serviu (e serve) permanentemente para deslocar o centro político para a direita, e para fazer de qualquer iniciativa de centro, (centro/esquerda) um perigoso gonçalvismo. O objetivo dessa atitude não é, nunca foi ajudar o PS, mas sim normalizar o discurso libertário e normalizar o pensamento económico neoliberal. É um fenómeno que se alinha com as teorias de manipulação do senso comum, pelos meios de comunicação, avançados por Chomsky.