Krugman no país das maravilhas
A recente entrevista de Krugman ao Jornal de Negócios mostra um truque que intelectuais públicos usam para falar de Portugal.
Paul Krugman, afirmou ao Jornal de Negócios que Portugal, ao contrário de Espanha, recuperou sem “passar por anos de desemprego elevado, desvalorização interna e queda dos custos”. Algo que caracterizou como um milagre económico.
Quando Krugman recebeu o doutoramento honoris causa na aula magna (2012) o desemprego passava dos 15%. O desemprego jovem passava dos 35%. O processo de migração já tinha começado.
Krugman parece ter simplesmente uma memória curta. Em 2013, o nobel da economia falava num “pesadelo” económico-financeiro”. Dizia que os portugueses estavam a passar era inaceitável.
Ao contrário daquilo que Krugman diz hoje, Portugal (tal como Espanha) passou pela desvalorização interna. Esta deu-se cortes, reforma laboral e emigração que ainda hoje tem impactos.
A recuperação deu-se através do turismo sem freios que causa uma austeridade habitacional permanente. Aparentemente Krugman acha um custo do crescimento relativamente aceitavel.
O aparente milagre que Krugman vê faz lembrar o milagre brasileiro de Delfim Netto na ditadura militar. Netto dizia que era preciso deixar o bolo crescer para depois distribuir. Mas a hora de distribuir nunca chegou.
Krugman não está sozinho neste truque. Intelectuais públicos, como Adam Tooze, tecem elogios a Portugal, por vezes com pouco rigor teórico. Tooze falava de Portugal como um exemplo de como navegar dentro da UE, ignorando a austeridade permanente no investimento público. Um episódio que João Rodrigues, dos Ladrões de Bicicletas, capturou de forma brilhante.
Estes intelectuais sabem que ninguém em Portugal vai cair em cima se falarem do país de forma elogiosa. Os meios de comunicação dominantes preferem um bom conto contado em língua estrangeira, do que olhar e confrontar para a realidade.
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