Argentina: já vimos este filme
A euforia do mercado por projecto de terapia de choque argentino não é’ uma novidade
Muito se tem falado sobre a eleição de Javier Milei, autoproclamado anarcocapitalista que prometeu dolarizar a economia argentina. Os mercados mostram alguma euforia com promessa de terapia de choque Argentina.
A EUFORIA DO MERCADO
Contudo, é útil relembrar a experiência do último governo de direita que entusiasmou mercados (Macri, 2015-2019). Macri, agora aliado de conveniência de Milei, chegou ao poder em 2015 com a promessa da agenda liberal. Tal como hoje, o mercado gostava do que ouvia.
Macri começou por aplicar o pacote liberal: liberalizou preços, reduziu subsídios públicos, reduziu controlos de capitais.
A expectativa do mercado era tanta que a Argentina, que mesmo com seu histórico de defaults, a Argentina conseguiu emitir dívida a 100 anos nos mercados internacionais.
Depois da euforia inicial, os problemas estruturais Argentinos não deixaram de existir. Em 2018, o país viu-se forçado a pedir o maior resgate da história do FMI. Nos anos seguintes começou um processo de reestruturação da dívida (incluindo a recente emissão de dívida a 100 anos).
O milagre de Macri nunca chegou: é difícil dizer que deixou o país numa situação melhor do que quando tomou posse.
Geralmente, os críticos liberais culpam o insucesso de Macri no facto de ele não ter sido liberal o suficiente.
Este diagnóstico não é novidade. Sempre que um programa liberal falha, é porque não foi liberalismo a sério.
Por exemplo, quando Liz Truss caiu com o seu plano de corte de impostos semelhante ao proposto pela Iniciativa Liberal, o partido (que agora parece animada com Milei, aqui e aqui) tentou distanciar-se e classificar o governo Truss de crypto socrático.
Outra tactica é fingir que o período Macri nunca existiu, e que a Argentina só tem governos peronistas. Ricardo Arroja - num artigo elogioso sobre Milei - tenta cair nesse campo, sem mentir descaradamente.
Se ainda restavam dúvidas que Milei é o continuísmo do projeto falhado de Macri, o seu arranque como Presidente dissipou-as. Milei escolheu o ministro das finanças de Macri, o arquiteto da emissão de dívida a 100 anos.
OS MITOS E REALIDADES DA DOLARIZAÇÃO
Quanto à dolarização, a grande promessa de Milei, pode mesmo reduzir a inflação, mas isso não tornará a economia Argentina necessariamente dinâmica. Ainda assim, essa promessa parece de difícil implementação visto que o banco central não tem reservas de dólares suficientes.
Grécia e Itália – que tal como Portugal passaram por processos semelhantes a dolarização com a entrada no euro – e a falta de inflação até recentemente está longe de ser um sinal de dinamismo económico.
O Equador fez a dolarização da economia em 2000 num contexto de crise, reduziu a inflação, mas o crescimento económico não foi particularmente forte – comparado com o passado ou com outros países da região.
A dolarização requer que a economia gere dólares. O processo de dolarização não faz isso por si só. Sem capacidade de gerar dólares , o Equador teve de pedir um empréstimo ao FMI em 2020. Desde então que a economia e sociedade equatoriana têm passado por períodos de tensão.
A dolarização requer que a economia gere dólares. O processo de dolarização não faz isso por si só. Sem capacidade de gerar dólares , o Equador teve de pedir um empréstimo ao FMI em 2020. Desde então que a economia e sociedade equatoriana têm passado por períodos de tensão.
O Ha-Joon Chang explica, economista heterodoxo e institucional, explica os riscos de dolarizar a economia argentina. Brad Setser, no podcast Odd Lots da Bloomberg, faz um diagnóstico da economia argentina e dos riscos e possibilidades reais de dolarizar.
O MITO ARGENTINO
No imaginário ocidental, a Argentina era uma superpotência económica que se tornou uma economia falhada por causa de sucessivos erosr. Esta ideia parte de uma confusão entre riqueza acumulada de booms de commodities e uma economia desenvolvida.
Os problemas estruturais da Argentina tem décadas e são complexos. Achar que vão ser resolvidos com meia dúzia de medidas ultra liberais seria delirante.
Pensar, escrever, editar e publicar demora tempo e exige sacrifícios. Nós, os Pijamas, fazemo-lo à margem das nossas rotinas laborais, sem receber por isso. Fazemo-lo por serviço público e, sobretudo, para desconstruir a narrativa do economês dominante e reflectir sobre caminhos alternativos para a nossa vida colectiva.
Se gostaste do que leste, apoia-nos. É simples e não te vai custar um cêntimo: subscreve e partilha a nossa newsletter e os nossos artigos. Esse é o maior apoio que nos podes dar.